Almanaqueiras: ou não queiras.

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sábado, 3 de dezembro de 2016

a mais nobre missão de uma corte constitucional é estabelecer a esfera de liberdade dos cidadãos na qual nem mesmo os legisladores podem interferir. Penso que o aborto nos estágios iniciais da gravidez fica nesse território, ao lado de outros temas polêmicos como o uso de drogas para fins recreativos e a eutanásia a pedido do paciente.

De tripas e direitos 

Helio Schwartsman 



Ao que tudo indica, integrantes do Supremo Tribunal Federal estão preparando o terreno para discutir a descriminalização do aborto por considerar a legislação que pune a interrupção da gravidez incompatível com os direitos e garantias fundamentais das mulheres. Esse pelo menos foi o argumento vitorioso no julgamento de um habeas corpus concedido pela Primeira Turma do STF. A decisão só vale para este caso, mas abre um precedente para juízes de primeira instância que estejam dispostos a segui-la e pressiona o plenário da corte a abordar o tema numa ação "erga omnes", que valha para todo o país.

Concordo em gênero, número e caso com argumentação do ministro Luís Roberto Barroso, que relatou o processo. Vou um pouco mais longe e afirmo que a mais nobre missão de uma corte constitucional é estabelecer a esfera de liberdade dos cidadãos na qual nem mesmo os legisladores podem interferir. Penso que o aborto nos estágios iniciais da gravidez fica nesse território, ao lado de outros temas polêmicos como o uso de drogas para fins recreativos e a eutanásia a pedido do paciente.

Proponho ao leitor um experimento mental. Imaginemo-nos num cenário rawlsiano no qual temos a incumbência de definir a estrutura básica da sociedade em que viveremos. A pegadinha é que estamos sob o véu da ignorância. Não sabemos se seremos homens ou mulheres, ricos ou pobres, burros ou inteligentes, doentes ou saudáveis, se pertenceremos à maioria religiosa ou a uma minoria.

Nessas circunstâncias eu não hesitaria um instante em escolher o plano de Estado que garantisse o máximo de liberdades individuais, pois me parece preferível abrir mão do "direito" de oprimir o próximo a correr o risco de ser eu próprio oprimido.

Trocando em miúdos, não me parece que seja razoável um desenho institucional que transfira ao conjunto da sociedade a decisão sobre o que faço com minhas entranhas.

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