Pai de uma família perfeita, psicanalista de Londrina assume homossexualidade e provoca uma sucessão de eventos trágicos em casa. A principal causa do desastre, porém, atende pelo nome de dinheiro
Por Paulo Sampaio para a Revista J.P de maio
A família do psicanalista Anizio Henrique de Faria Jr., 65 anos, sempre foi o exemplo acabado de perfeição. Pai conceituado, mãe talentosa – a mineira Letícia Marquez, artista plástica –, filhos lindos e, claro, dinheiro, muito dinheiro. Faria, a mulher e os cinco filhos moravam no Bela Suíça, um dos bairros mais valorizados de Londrina – a casa mais parecia uma galeria de arte, com obras de Letícia espalhadas por todos os lados, até na piscina –, a poucos metros do cartão-postal da cidade, o lago Igapó. Ele cobrava R$ 1 mil a consulta e, mesmo assim, havia fila de pacientes tentando conseguir uma hora. Um belo dia, após 30 anos de casamento, se assumiu gay e, bem, foi o fim da felicidade eterna. Os dois se separaram. Não que Letícia não soubesse das preferências sexuais do marido. “Ela já havia descoberto a homossexualidade dele, o casamento dos dois era de fachada. O problema foi a revelação para a sociedade”, garante um amigo, que prefere não se identificar. O assunto é um tabu insondável em Londrina. Enquanto o casal  manteve as aparências, a harmonia (para uso externo) estava mais ou menos sob controle. Com o divórcio, ele se sentiu livre para alterar radicalmente seu comportamento. Passou a usar roupas extravagantes, a ir a baladas e a engatar um romance atrás do outro. “O Anizio frequentava lugares públicos, sempre na companhia de menininhos, e expunha a família”, observa um amigo de Letícia. No ano passado, uma série de acontecimentos funestos, que culminaram com o suicídio de um dos filhos, causou a ruína definitiva da imagem “Doriana” dos Faria.  A família permanece muito conhecida, mas agora por um motivo nada invejado: a derrocada do que parecia indestrutível.
Os motivos que levaram a história de Anizio Faria a um desdobramento tão vertiginoso não são tão óbvios quanto se pode supor. A revelação da homossexualidade provocou um impacto forte, sem dúvida, mas o elemento que desagregou de vez a família foi o dinheiro. No ano passado, quando Faria recebeu uma polpuda herança dos pais, Letícia pressionou os filhos no sentido de cobrar o que cabia a eles. Ela própria, que jamais perdoou o ex-marido pelo escândalo da separação, entrou na Justiça para reivindicar uma parte para si. Apesar de ser reconhecida por um trabalho “polêmico, impactante, contemporâneo”, a artista plástica teve uma reação conservadora quando o marido a deixou – e fez tudo para jogar os cinco filhos (dois casais de gêmeos) contra ele. Uma das filhas, Emmanuella, tomou as dores do pai e não fala com a mãe há 12 anos. Até certo ponto, Faria manteve o bom humor. Considerado um sujeito alegre, de bem com a vida, o psicanalista também canta, toca piano e chegou a gravar um disco chamado Samba – Cotidiano Brasileiro, com clássicos de Ary Barroso, Dorival Caymmi e Noel Rosa.  O CD foi divulgado como uma iniciativa para “salvar a cultura brasileira”. Em uma matéria para o caderno de cultura da Folha de Londrina, Faria comparou: “Cortar a raiz é o jeito mais fácil de matar uma árvore. Estamos fazendo o mesmo com a música brasileira. Por isso, a proposta de apresentar sambas para a nova geração”.


Créditos: Reprodução Facebook/Revista J.P







SURRA VIOLENTA
O show de lançamento no Empório Guimarães, uma das maiores casas de eventos de Londrina, ocorreu em maio de 2015. Em setembro, aconteceu o episódio mais dilacerante do prontuário médico-policial dos Faria. Foi quando um dos filhos do psicanalista, o designer Bernardo Faria, espancou tão violentamente o pai que deixou sequelas em sua audição e visão, sem contar algumas costelas quebradas. Segundo se comenta, Bernardo teria ido à casa de Faria para conversar sobre a divisão da herança. O psicanalista, que estava oficializando a relação estável com o namorado, teria dito que não era obrigado a fazer a partilha enquanto estivesse vivo.  Bernardo foi à casa do pai com um dos irmãos, Juliano, que é gay e mora fora do país. Conduzido para o Hospital do Coração, no centro de Londrina, Anizio Faria pediu que não incriminassem os filhos. Mas alguém precisava responder policialmente pela surra. Letícia preferiu responsabilizar apenas Bernardo, porque teve receio de prejudicar o embarque de Juliano para fora do país. De qualquer maneira, segundo um amigo próximo da família, quem aplicou a surra foi Bernardo, enquanto Juliano segurava a porta.
SÓ O COMEÇO
Bernardo Siqueira Henrique de Faria era dono de uma agência de publicidade chamada Berlin, professor universitário e tinha um projeto denominado Guerra de Ilustrações.  Costumava aparecer nos encontros mensais do grupo acompanhado do filho, Estevão, então com 10 anos, de seu primeiro casamento. A ex-mulher Valéria havia se mudado para os Estados Unidos.  Designer premiado, Bernardo criou fontes de letras, escreveu livros e era convidado frequentemente para dar palestras. A influência da mãe era muito forte. Em entrevista a um jornal da cidade, ele comentou que sua ligação com as artes veio de berço: “Sem impor nada, minha mãe sempre criou um ambiente propício para que eu pudesse me expressar”. A surra no pai foi apenas o início do desmoronamento familiar. O capítulo seguinte seria ainda mais apavorante. Menos de três semanas depois, ele tinha uma reunião marcada na agência com um prestador de serviços amigo da família. O homem conta: “Quando cheguei lá, vi que havia uns carros de polícia na porta e as recepcionistas estavam afoitas, nervosas. Elas se entreolharam, e uma disse que a reunião havia sido desmarcada. Perguntei por que não me ligaram no escritório para avisar”. As duas informaram para o prestador de serviços que “havia acontecido um problema”, e ele passou a discar para o celular de Bernardo. Dava caixa postal. “Saí do prédio, havia um repórter encostado em um carro, perguntei o que tinha acontecido, ele respondeu que um cara tinha se jogado do último andar.”
Créditos: Reprodução Facebook/Revista J.P

Automaticamente, o prestador de serviços olhou para cima e começou a contar os andares, para ver qual era o último. “Vi que coincidia com o do escritório do Bernardo. Aí, comecei a pensar em coisas ruins. Liguei para a agência, nada.” Bernardo havia se suicidado. Naquela manhã, antes de se atirar pela janela, o designer havia tido uma discussão séria com a namorada, que trabalhava com ele. No auge da briga, ele aplicou um tapa no rosto dela. O motivo seria um gasto injustificável de R$ 400, sem nota comprobatória. Ela saiu da sala, mas voltou para tentar conversar. No retorno, viu o namorado se soltando da janela. “Em estado de choque, ela foi atendida por um psicanalista que tinha consultório no prédio”, disse um amigo do casal. Naquela manhã, quem buscou Estevão na escola, antes do fim da aula, foi um tio. “Mas o papai não disse que era você que vinha me buscar. O que aconteceu?”, perguntou o menino. O inexplicável é que Bernardo e o pai, depois de muitos anos sem se falar, haviam se reconciliado. Aos poucos, o designer voltou a frequentar a casa de Anizio. Foi ele, inclusive, quem assinou a ilustração da capa do CD. “O Bernardo era bonzinho, mas superdifícil de lidar”, conta uma pessoa próxima. “Se indispôs com o outro sócio do Grafatório (ONG dedicada às artes visuais) e acabou se desligando do grupo.”
O corpo de Bernardo Faria foi sepultado no Cemitério Parque das Allamandas, na região oeste da cidade. O pai do designer, que ainda se recuperava das lesões por conta da surra, não compareceu. Ele estava hospedado na casa da filha mais velha, que também não foi. No enterro, a perplexidade dominava todos. Letícia ficou ao lado do caixão o tempo todo; segurava as mãos do filho e conversava com o corpo. Na hora do sepultamento, ela passou a gritar que Anizio ainda não havia concluído sua obra: “Ela falava que ele mataria os outros filhos também!”, lembra uma pessoa presente à ocasião. Apesar de a cidade toda ter ficado horrorizada, a imprensa não deu uma linha sobre o que ocorreu. Anizio Farias passou um tempo recluso, até que voltou a atender, mas não mais no mesmo consultório.  Letícia não pintou mais.