Almanaqueiras: ou não queiras.

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terça-feira, 19 de outubro de 2010

CAMINHÃO MISTO ERA O ÔNIBUS DOS MATUTOS



Lendo artigo de Eduardo Pereira, neste blog, sobre o caminhão-misto, quero acrescentar mais algumas informações sobre este veículo, que realmente fez sucesso na década de 60.

Lembro-me de três deles. Da marca Chevrolet, o misto de seu Zé Anjo, de Cajazeiras; do misto de Zé Araruna, de Bonito de Santa Fé e do misto de João Nestor, cunhado de minha mãe, que morava no Sítio Rita, município de Monte Horebe.

No relato de Eduardo, ele faz menção ao misto de João Nestor, quanto as nossas andanças quando entrávamos de férias escolares e subíamos a serra do Horebe com destino ao Sítio Rita, do nosso avô Padim João (pai de minha mãe). Pois bem, esse veículo com três cabines levava 18 pessoas sentadas e mais algumas em cima da mini carroceria (local destinada a carga dos feirantes), e fazia o papel de ônibus da zona rural. O misto saía do Sítio Rita para Monte Horebe ainda de madrugada, onde ia buscar os feirantes daquela cidade e seguir viagem para Cajazeiras, passando por São José de Piranhas (Jatobá) e ao longo do percurso fazia pequenas paradas para o embarque dos matutos (beradeiros), que iam para a feira de Cajazeiras. Vários feirantes levavam frutas e legumes para vender na feira de Cajazeiras. Lembro-me de Zé de Souza, que morava na Rita e levava laranjas de Padim João para negociar na feira e de dona Hermínia, que levava caixotes de madeira com beiju e tapióca, para fazer a alegria da meninada de Cajazeiras na hora de merendar. A distância era tremenda, em léguas tiranas, com poeira à vista na época da seca ou atoleiro no inverno. Já na volta para Monte Horebe, nós pegávamos carona onde íamos passar as férias escolares no Sítio Rita. Saudosa parada no bar e lanchonete de seu Moisés (pai de Bolinha), em Jatobá, para merendar café com broa de milho ou doce de leite com bolo. Já os feirantes, com o apurado da feira de Cajazeiras, bebiam rabo-de-galo ou um traçado – pinga com alcatrão de São João da Barra.

De terra batida era a estrada. O misto, à manivela, subia gemendo e devagar o topo da serra do Horebe após passar em Jatobá. Após a subida da serra, o misto seguia seu destino onde passava em frente a vários sítios, parando e desembarcando os matutos. Logo após passar pelo canto de cerca (entrada do Sítio Rita), já se via a pequena cidade de Monte Horebe e nossa alegria era imensa, porque ali era um dos locais onde moravam vários parentes – tios, tias, primos. Após deixar os passageiros de Monte Horebe, João Nestor voltava para o Sítio Rita onde residia. Até hoje ele reside lá. 

jfilho@ebc.com.br
Radialista
Brasilia

2 comentários:

  1. No assunto:
    UM MATUTO NA CIDADE GRANDE
    Do livro Do Miolo do Sertão
    A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
    pags. 76 a 79


    Na minha primeira viagem ao Recife, qualquer, ainda em Paulista, desci do caminhão que me trouxe de Campina Grande, o motorista me disse:
    - Aqui você pega o ônibus. No recife, não que se preocupar. Você pede para parar onde quiser.
    Assim fiz. Eu não sabia nem o que era ônibus. Acho que foi ali que escutei pela primeira vez essa palavra. Mas me detive no meu orgulho, deixando os fatos me ensinassem o que era preciso. Prestei apenas a atenção à ordem de parar o ônibus, considerando que não conhecia a metrópole do Capibaribe.
    Paramos na Rua da Concórdia. Ainda que eu andasse devidamente enquadrado no costumeiro paletó de borracha, um pano lustroso e de ótimo caimento muito em moda à época – assentado no luxuoso sapato de solado também de borracha, conforme era o figurino, não seria difícil divisar naquele homem engravatado, e ainda por cima empoeirado da cabeça aos pés, um sertanejo sem malícias, que desconhecia o traçado das ruas recifenses.
    - Me leve para o hotel mais próximo – falei ao sujeito do táxi.
    O espertalhão deve ter pensado “é agora” e começou a dar, às minhas custas, o seu passeio de embromação pela cidade. Logo ao sair, percebi que tinha um hotel ao alcance da mão: se eu tivesse avistado antes, teria até dispensado o transporte. Mas fiz de conta que não estava percebendo nada, “esse camarada está crente que tem um matuto no banco traseiro”, e cuidei de me preparar para também jogar contra ele. O táxi girando, minha cabeça girando. Cidade grande e bonita, essa Recife se espelhando nas águas. A noite iluminada dá-lhe ainda maior tamanho e beleza. Aquela água escura no meio do areia, ali embaixo, as ondas altas batendo nas pedras noite adentro, derramando-se em bordados na areia – aquilo deve ser o mar. Coisa assombrosa, o mar. Tanta água, água demais. Mas eu ano perco o motorista de atenção. Ele quer me enganar. Por que não levam essa água pro sertão? Logo na minha chegada ao Recife, dar com um embaraço desses? E por que todas as cidades não são grandes como o Recife? O táxi vai voltando, ele já passou aqui. Um dia, quem sabe, Cajazeiras...
    - Pronto.
    O motorista abre a porta do carro. Peguei a minha maletinha, apressado:
    - Muito obrigado. É isso o que pago na minha terra para qualquer corrida.
    - Pouco ou muito, ainda hoje não sei. O homem enfiou os dez cruzeiros no bolso e, sem dizer uma palavra, abalou em toda a carreira. Pelo menos dessa enrascada me livrei.
    Mas que foi que disse que o hoteleiro queria me receber?
    - Cadê os seus documentos?
    - Que documentos? Eu não trago nenhum.
    - Não me diga. Todo cidadão é portador de algum papel que o identifique.
    - Eu me chamo Francisco Matias Rolim. Isso não já dá?
    - o senhor deve estar brincando. Como é que posso sabe o seu nome?
    Ih, meu Deus! Será que vou ter que tomar outro táxi? Este herege não se dobra mesmo?”. Lembrei-me da maletinha. Abria-a de um lado, às escondidas. Coloquei o pacote sobre o balcão.
    - Já que o senhor não pode me hospedar, creio que nenhum outro hotel vai pode fazer isso, é verdade?
    - Sim, é claro.
    - Pois bem, eu posso ficar no meio da rua, já que não vou voltar sem fazer o que preciso, no Recife. Se não tem outro jeito, me faça pelo menos um favor. Estou vendo que o senhor tem um cofre aí. Por gentileza, deixe este dinheiro guardado no seu hotel.

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  2. Desculpe-me fiz a postagem errada:
    Minha primeira viagem ao Recife, nesse começo de 1948, deu-se por gentileza de João Teodolino, tio de Zé Cavalcante, que é hoje, esse último, o concessionário da Ford do Brasil em Cajazeiras. Saímos à noite de 1º de abril, num caminhão que seguia para Campina Grande. Aconteceu, porém, que, depois do Triângulo de Pombal, a meia légua do entroncamento para Catolé do Rocha, o caminhão abalroou o de Geraldo Salvino, que vinha de uma festa naquela cidade. Do choque resultou a morte de Sebastião Peixoto, residente em Pombal. Criada a confusão, João Teodolino prendeu o causador do desastre, que estava caindo de bêbado, e nos levou à Delegacia de Polícia da cidade. Além de ter presenciado uma catástrofe que causou a perda de uma vida, além do transtorno da demora, tivemos ainda que esperar desde a noite até a manhã seguinte pela chegada da autoridade policial. Esperar de pé, pois nem o chão nos permitia sentar-nos. Graças a Deus, um dos passageiros, Joãozinho, guarda fiscal, tendo dado um depoimento de duas horas – todos permanecendo sempre de pé – fez o delegado me liberar para prosseguir viagem. (Curiosamente, muitos anos à frente, quando já me encontrava estabelecido em Bacabal, no Maranhão, dei de cara, cheio de surpresa, com Geraldo Salvino, com que fiz boa parte desse triste episódio).
    Do Miolo do Sertão A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
    pags. 73 a 76

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