Até quando choraremos os mortos?
Muito difícil falar de outro assunto que não seja a tragédia que matou um time inteiro de futebol, colegas meus de profissão, tripulantes do avião. Os dias passam, o noticiário tenta voltar às tragédias nossas de cada dia, que já são muitas, mas a cada notícia sobre o acidente me deparo com um gesto espontâneo de generosidade e me pego chorando por histórias de pessoas que até ontem eram nomes pouco conhecidos para a maioria.
Como segurar as lágrimas ao ver a mãe do goleiro Danilo, que perdeu um filho, e consegue no meio de sua dor perceber e se solidarizar com o sofrimento alheio? No meio de uma entrevista ao repórter Guido Nunes, do SporTV, ela pergunta: "como vocês, da imprensa, estão se sentindo tendo tantos amigos queridos lá? Posso te dar um abraço em nome da imprensa?" Chorei com Guido, quis abraçar dona Alaíde.
Tem sido doloroso aos meus colegas. Não posso imaginar o tamanho da tristeza do jornalista Ari Peixoto, da TV Globo, ao anunciar que o corpo de um de seus colegas seria liberado do Instituto Médico Legal. "Não gostaria de dizer isso", disse com a voz engasgada pelo choro, "mas é do nosso colega Guilherme Marques, do departamento de esporte". Chorei de soluçar.
Perguntei aos amigos se estaria emotiva demais, mas todos se disseram igualmente tocados, principalmente com os infinitos gestos de solidariedade e generosidade dos quais temos sido testemunhas. O maior deles talvez vindo do time adversário, o Atlético Nacional, que fez uma cerimônia emocionante em homenagem às 71 vítimas, para um estádio lotado, com mais de 50 mil pessoas. A conta é que havia 70 mil do lado de fora.
Mas aos poucos somos acordados pela dura realidade, que é a falta de todos os sentimentos nobres que transbordaram nos últimos dias. O presidente do time argentino Huracán, Alejandro Nadur, disse que o Atlético Nacional fez demagogia ao ceder o título de campeão da Copa Sul-Americana à Chapecoense.
Por divergências pessoais, e ele deixou claro que elas existem, Nadur prefere polemizar a respeitar o momento, em que a maioria dos maiores times de futebol do mundo se uniu em torno de uma tristeza comum.
E claro, sempre tem quem queira tirar uma casquinha da tragédia alheia. Enquanto times de futebol do Brasil, Inglaterra e Espanha, e até as partidas da NBA, tiveram minutos de silêncio e tributos à Chapecoense, o Internacional se diz abalado para jogar a última rodada do Brasileirão, o que está sendo apontado como uma manobra para evitar o rebaixamento.
Mas o troféu abacaxi para gente sem noção nesse momento de extrema fragilidade emocional vai para o digníssimo presidente Michel Temer. Certamente com medo de ser vaiado, decidiu recepcionar os corpos das vítimas no aeroporto de Chapecó e participar de uma cerimônia na qual pretende entregar às famílias a Medalha da Ordem do Mérito Esportivo.
Se alguém for. O pai do zagueiro Filipe, Osmar Machado, já disse que não vai. "Se ele quiser, ele que venha aqui [na arena]. Eu não arredo um pé de perto do meu filho para cumprimentar o Temer? Ele é o presidente do Brasil e só. Ele que tenha vergonha na cara e venha cumprimentar as pessoas que estão com problema."
Até quando choraremos pelos mortos? E pelo vivos, porque só chorando mesmo.
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