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segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O futuro dos partidos

Ou se aprofunda a democracia ou vence a barbárie

Por Marcos Nobre


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A cúpula do Partido Republicano fez de tudo e mais um pouco para evitar que Donald Trump se tornasse o candidato à presidência. Viu o partido ser invadido e tomado por um outsider, sem conseguir impor um nome menos hostil. A máquina partidária perdeu o controle do processo. Mas venceu as eleições presidenciais.

A máquina do Partido Democrata não queria que Bernie Sanders vencesse Hillary Clinton na disputa pela indicação. Como no caso do Partido Republicano, também cerca de 30 milhões de pessoas participaram das primárias democratas. Em uma disputa acirrada, a cúpula usou a carta na manga dos chamados superdelegados para fazer prevalecer sua posição. A máquina se impôs. Mas o partido perdeu as eleições presidenciais.

Os EUA realizam primárias para a escolha de suas candidaturas presidenciais há muito tempo. A novidade são os movimentos de massa em favor de candidaturas inteiramente avessas às pretensões das cúpulas partidárias. Esse movimento não se restringe aos EUA, mas é uma tendência que vem se consolidando nos últimos anos em diferentes partes do mundo. Milhões de pessoas que veem nas disputas internas aos partidos políticos apenas um jogo de cartas marcadas decidiram atropelar os conchavos de sempre para defender posições que desafiam o poder das cúpulas

Isso aconteceu na escolha de Jeremy Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista inglês, em 2015, por exemplo. Experiências como as do Podemos, fundado na Espanha em 2014, ou do Syriza, fundado na Grécia dez anos antes, trilharam o caminho de tentar abrir as estruturas existentes antes de se institucionalizarem como partidos ­ plataforma de diferentes grupos, partidos e organizações. A partir de 2011, a Argentina começou a realizar primárias abertas,simultâneas e obrigatórias. Em outro modelo, o Chile fez o mesmo a partir de 2013. A direita francesa acaba de realizar com sucesso primárias para a escolha de seu candidato à eleição presidencial do ano que vem.

Pode parecer ficção científica para quem se tornou adulto a partir da década de 1990, mas no Brasil partidos já estiveram presentes na vida cotidiana das pessoas. Estruturas partidárias chegavam ao nível local, eram espaços abertos à elaboração de experiências e a diferentes formas de organização coletiva de ações e intervenções. Hoje, os partidos não estão mais na vida cotidiana das pessoas. As igrejas de diferentes denominações religiosas estão. Algumas organizações sociais que ainda conseguem manter as portas abertas também.

Partidos deixaram de ser braços da sociedade no sistema político para se tornarem braços do Estado na sociedade. Partido passou a ser sinônimo de partido no poder. E partido no poder chega na base da sociedade como escola, como posto de saúde. Quando a vida vai de mal a pior, partido é a escola que não funciona, é o posto de saúde precário, é o transporte de péssima qualidade, é o emprego que não aparece. É aí que secundaristas ocupam suas escolas, por exemplo. Para fazê ­las funcionar. Não querem nem ouvir falar de partidos.

A primeira reação do raciocínio político convencional a esse estado de coisas costuma ser: basta votar na oposição na próxima eleição. Só que esse raciocínio ignora que a rejeição generalizada aos partidos é a recusa de uma política oficial apartada do cotidiano das pessoas. Em uma galáxia histórica muito distante, partidos canalizavam afetos, funcionavam como transformadores da raiva, do ódio e da frustração em energia política institucional. Hoje, não fazem mais do que tentar conter explosões de insatisfação. Na maioria das vezes, a única resposta que encontram é repressão policial. O que só reforça o círculo vicioso da rejeição à política institucional.

O raciocínio político convencional pode até aceitar que existe um divórcio duradouro e grave entre sociedade e sistema político. Mas, no mais das vezes, conclui daí que a saída é esperar passar o efeito da segunda chicotada da crise econômica mundial desencadeada em 2007, agravada no Brasil por uma crise política em estado crônico há já algum tempo. Passada a crise, o sistema político voltaria a funcionar como antes, os partidos como braços do Estado, o eleitorado como cliente de serviços e políticas públicas. Afinal, não haveria alternativa aos partidos como instrumento da sociedade no sistema político.

Pensar assim é miopia das mais graves no terremoto atual. Deixar tudo como está para ver como é que fica significa colocar em risco a própria democracia. Quando dar de ombros para a política institucional se torna a regra, quem consegue canalizar o ódio social para dentro do sistema político é quem joga contra as instituições democráticas, é a extrema direita. A alternativa hoje é entre aprofundar a democracia ou barbárie. É uma alternativa entre a mera vocalização da raiva e do sofrimento social pela extrema direita ou o aprofundamento da democracia, com a (re)abertura dos partidos para o cotidiano das pessoas.

É muito mais fácil dizer isso do que fazer. Porque significa que as cúpulas partidárias terão de colocar em jogo o controle que hoje têm em nome da própria sobrevivência dos partidos em condições democráticas. Partidos não apenas terão de aceitar ser atropelados pela massa cidadã que os vê hoje com desconfiança e mesmo com desprezo. Terão de se empenhar em convencer essas pessoas a atropelá ­los, se não quiserem se tornar irrelevantes. O máximo a que cúpulas partidárias podem aspirar é perder o controle de maneira relativamente controlada.

Nos EUA, a cúpula do Partido Republicano está agora lutando para enquadrar Trump na lógica da política mainstream de Washington. A negociação dificilmente terminará com a rendição do presidente eleito, que tem de responder a um eleitorado que votou nele contra essa mesma lógica de Washington. O Partido Democrata está sob severo ataque por parte da enorme massa de pessoas que viu a maioria conquistada por Bernie Sanders sequestrada pela cúpula. Perseverar na mesma atitude é hoje apostar em uma progressiva irrelevância do partido. Não só nos EUA.

Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap. 

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