Almanaqueiras: ou não queiras.

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quarta-feira, 24 de maio de 2017

a Globo trouxe alegrias à esquerda, e promoveu para Lula e Dilma uma vingança com que eles jamais poderiam ter sonhado.

Sem vozes divergentes, Globo embarca em precipitações no caso Temer

Marcelo Coelho



Por essa os adversários de Michel Temer não contavam. Veio da Rede Globo o noticiário que torna praticamente inviáveis as reformas liberais de seu governo.

Surgem algumas tentativas de explicação. No mesmo dia da denúncia, alguém no Facebook postava que o propósito da Globo era tirar Temer para... fortalecer Aécio Neves!

Como o senador tucano resistiu menos ainda às notícias, há quem elabore uma nova teoria. Sabendo que Michel Temer não tem popularidade para fazer mudanças na Previdência, a poderosa emissora resolveu sacá-lo do Planalto para eleger a ministra Cármen Lúcia, do STF.

Faz-se qualquer raciocínio, como se vê, para evitar uma admissão bastante simples: a Globo trouxe alegrias à esquerda, e promoveu para Lula e Dilma uma vingança com que eles jamais poderiam ter sonhado.

Não acho que seja por fanatismo toda essa má vontade com a Globo. Seria, sobretudo, um hábito mental.

Desde a campanha pelas Diretas-Já, em 1984, a Globo deu sinais de se recusar a perceber a realidade. Houve o caso Proconsult, em que a divulgação de resultados eleitorais incompletos ocultava a iminente vitória de Leonel Brizola no governo do Rio, em 1984.

Veio a invenção de Fernando Collor e a escolha seletiva dos trechos de seu último debate com Lula.

Falar mal da Globo se tornou, desse modo, uma reação automática diante de qualquer notícia que prejudicasse a esquerda e o PT; havia razões para isso, naquele tempo.

Desde o mensalão, os simpatizantes de Lula ajustaram um pouco sua tática. São raras as afirmações de que o escândalo foi totalmente inventado. Prefere-se dizer, por exemplo, que "nunca houve mensalão" porque as doações a deputados não eram mensais...

Ou, mais frequentemente, diz-se que todos os partidos cometem irregularidades, e que a "mídia" escolhe apenas as do PT para denunciar.

E agora? Em intensidade e concentração no tempo, os ataques a Temer e Aécio foram piores do que qualquer coisa já feita pela Globo.

Não me convencem as teorias conspiratórias. Talvez o fenômeno a identificar seja menos diabólico, mas ainda assim preocupa.

O noticiário sobre corrupção se alimenta diretamente do Ministério Público e da Polícia Federal. É difícil para os repórteres investigativos entrar em competição com um grande contingente de investigadores. Ademais, não contam com a ajuda da delação premiada.

Sobrevém então a lógica do "furo jornalístico". Se um órgão de imprensa ou emissora de TV consegue acesso exclusivo a uma informação, terá muita pressa em divulgá-la antes da concorrência.

Não digo que jornalistas de grandes veículos aceitem qualquer informação sem checagem. A excitação diante da notícia sensacional pode entretanto diminuir sua cautela.

No caso da carne contaminada, vimos isso acontecer. A Polícia Federal fez tamanho escarcéu com sua operação a respeito de propinas de frigoríficos que, por um dia ao menos, o noticiário nacional deu a entender que estaríamos intoxicados na primeira fatia de churrasco.

Por 24 horas, igualmente, a Rede Globo noticiou a conversa entre Temer e Joesley Batista, ressaltando que o "tem que continuar" era uma autorização para comprar o silêncio de Eduardo Cunha.

Ninguém tinha ouvido a gravação. Foi, a meu ver, uma irresponsabilidade. Seguiu-se, sem avaliação própria, a interpretação dada pelas autoridades, como se não houvesse qualquer dúvida possível.

Tudo seria melhor se a Globo tivesse outro estilo, e outros padrões, na apresentação de seu noticiário –e nisso as tradicionais críticas da esquerda à emissora fazem sentido.
Assisti à GloboNews naquele dia. Como todos sabem, a emissora conta com um excelente grupo de jornalistas e comentaristas, muitos deles antigos colegas aqui da Folha.

O problema é que não havia uma visão divergente. Seis profissionais muito competentes "passam a bola", como eles dizem, uns aos outros, mas o jogo se assemelha a uma cobrança de pênaltis sem goleiro.

A regra se repete em muitos programas de debates, em que os convidados para falar sobre a crise política se dividem (não exagero demais) em tucanos de esquerda, tucanos de centro e tucanos de direita. Raro o programa (penso em Mario Sergio Conti) em que simpatizantes do "outro lado" são chamados a se manifestar.

O resultado, por mais que a Globo não seja nem de longe parecida com o que era há 30 anos, é indesejável. Talvez se ache que muita divergência confunde o espectador; quer comunicar-se com clareza, sem relativizar as coisas. Mas também quem comunica se trumbica. 

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