Almanaqueiras: ou não queiras.

Almanaqueiras: ou não queiras.

sábado, 8 de abril de 2017

suas vozes incomodam

A Bolha 

Marcelo Rubens Paiva


Ninguém mais conversa no metrô. Ninguém mais paquera. Ninguém mais olha o vazio, o mapa das linhas, os anúncios, as luzes passando em sentido contrário, a própria imagem refletida nas janelas, quem entra, quem sai, quem veste o que, quem está bem, quem está feliz, quem chora, quem dorme, quem está por um fio, quem se dirige a uma manifestação de protesto, ou de apoio, quem defende o que, gosta de qual banda, quem parte para um encontro secreto, ou acaba de ser beijada, por alguém que sempre quis, e que nunca tomou a iniciativa, quem acaba de se apaixonar, ou descobre que o amor acabou, quem espera gêmeos, está exultante e nem consegue mais dormir, quem acaba de conseguir um emprego, quem não desce em nenhuma estação, e quer apenas um ar condicionado no talo no verão impiedoso, ou fugir da chuva, ou dar um tempo, viver sem sentir a vida, percorrer túneis subterrâneos de uma grande metrópole, em que, apesar da multidão, se sente sozinho.
Ninguém troca ideias, opiniões divergentes, ninguém debate, é convencido de algo, muda de opinião. A bolha que nos cerca nos protege. É como um escudo contra o que nos agride. A cidade nos agride. O ódio nos agride. Todos nela nos agridem. Suas vozes incomodam.

Preferimos a música preferida da lista previamente selecionada que sai dos meus fones de ouvido conectados por um cabo ao meu universo pessoal, em que sou Deus, em que decido o que ler e ouvir, o que ver e curtir, o que assistir e ignorar, graças à opção “bloqueio”, à opção “excluir”, à opção “apagar perfil”, “colocar em modo avião”, “não receber notificações”.

Há uns anos, não pegava celular no metrô. Os passageiros conversavam, paqueravam, miravam o vazio, redescobriam estações no mapa das linhas, checavam os cabelos na imagem refletida, quem entrava, saía, vestia o que, era fã de Ramones, Pink Floyd, Metallica, Batman, Jack Daniel’s, quem estava bem, feliz, chorava, dormia, quem, pelo perfume, banho tomado, roupa bonita, estava a caminho de um encontro secreto, fora beijada, por alguém surpreendente, inexplicável, paixão que nasceu do fundo da alma, quem descobriu que não ama mais, descobriu que estava grávida e não consegue mais dormir, tensa, quem acabou de perder um emprego, a estação, o sentido de viver, porque se sente sozinho, apesar da multidão nas estações.

Trocavam-se ideias, opiniões, debatia-se, mudavam as convicções de alguém, apresentavam outros pontos de vista, experiências e erros da história que se repetem. A bolha é nosso mundo agora. E o que tem de tão urgente nos celulares, que não era na década anterior? O que é inadiável?

A bolha em si, e nela que se quer estar: protegido e isolado. O mundo é muito louco, tem muito louco por aí. E boa parte, quando chega à sua estação, continua nela, caminha olhando ou falando para seu universo pessoal. Haverá um dia em que as pessoas voltarão a interagir? O mundo corre perigo.

A revista de tecnologia Wired fez um alerta aos leitores: os filtros da sua bolha estão destruindo a democracia.

Pelos grandes pilares da rede social (Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp), você recebe notícias de quem quer que lhe dê notícias, não de quem lhe desagrada, discorda, coloca em dúvida, incomoda, atrapalha a lógica da ética de vida que você demorou para adquirir.

A bolha foi criada por você e pela matemática. As redes registram o que você gosta. Deixa aquilo que você não gosta em segundo plano e o bombardeia de informações apenas de quem ou o que você gosta. São os misteriosos algoritmos, a lógica da rede.

Pesquisadores, entusiastas e defensores da tecnologia da informação, como Amanda Hess, do New York Times, dão dicas para a bolha não enriquecer.

1. Uma extensão do Chrome chamada PolitEcho faz você surfar pelo seu Face e checar seus preconceitos, através dos “likes” dos amigos.

2. Um plug-in do Twitter, o FlipFeed, colocará em seu feed pessoas aleatórias, anônimas, com opiniões amplas.
3. O BuzzFeed testa uma nova plataforma, Fora da Bolha (Outside Your Bubble), e o Face, Saia da Bolha (Escape Your Bubble), que para de filtrar posts por afinidade ideológica.

4. Os podcasts políticos liberais Right Richter, Slate e o Crooked Media, tocado por gente do staff de Obama, abriram abas para notícias e opiniões de grupos conservadores divergentes.

Pesquisas confirmam que apoiadores de Trump vivem num mundo paralelo de informações-desinformações nascidas nas redes sociais, que não fazem sentido com a realidade. Confundem o discurso hipotético da propaganda com realidade.

O prefeito que faz, o governador de que precisamos, o presidente que melhorará a vida de todos, colocará o país em primeiro lugar... Mentira. O prefeito que não faz nada, basta alastrar que faz, o governador não é do que precisamos, e o presidente sozinho não melhorará a vida de ninguém (a não ser a dos amigos), muito menos colocará o país em primeiro lugar, criará conflitos danosos e desnecessários, vai impor barreiras, construirá muros, dividirá o país.

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