Almanaqueiras: ou não queiras.

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domingo, 26 de março de 2017

A cultura, que evolui muito mais rapidamente que genes, nos deu a linguagem que, por sua vez, interferiu decisivamente sobre o desenvolvimento de nossas mentes, tanto pela via da biologia como da cultura.

Bactérias e Bach

Helio Schwartsman 




Acho que todos concordaremos que uma bactéria não tem muita ideia do que está fazendo. Ainda assim, ela é capaz de fazer coisas incríveis em termos bioquímicos. Algo parecido vale para térmitas. Embora não tenham sido iniciadas nos rudimentos da arquitetura, algumas espécies são capazes de construir castelos magníficos. Por mais contraintuitivo que seja, é forçoso reconhecer que, em muitos casos, a competência prescinde da compreensão.

É em torno dessa ideia fundamental que o filósofo Daniel Dennett constrói seu mais recente livro, "From Bacteria to Bach and Back: The Evolution of Minds" (das bactérias a Bach e de volta a elas: a evolução das mentes). Ao longo de quase 500 páginas recheadas de erudição filosófica e biológica escritas numa linguagem envolvente, ele mostra como a evolução natural foi capaz de originar seres muito bem adaptados ao ambiente em que vivem. Seu design, que pode incluir facetas bastante sofisticadas como a consciência humana, é o resultado de forças cegas moldadas pela seleção.

No caso do homem, porém, a um dado momento, um outro tipo de evolução não biológica começou a correr em paralelo: memes. A cultura, que evolui muito mais rapidamente que genes, nos deu a linguagem que, por sua vez, interferiu decisivamente sobre o desenvolvimento de nossas mentes, tanto pela via da biologia como da cultura. Nós nos tornamos seres reflexivos, capazes de planejar e conscientemente criar designs, como castelos, instituições, sinfonias, cantatas e programas de computador, que talvez se tornem um dia eles próprios inteligentes.

Entre nossas criações está a ciência que nos permite vislumbrar alguns dos mecanismos pelos quais a natureza opera, da física de partículas à evolução darwiniana. Não é pouco para um processo que teve origem bastante humilde numa sopa de nucleotídeos 4 bilhões de anos atrás.


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