Almanaqueiras: ou não queiras.

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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

"Não é a dúvida, mas a certeza que nos enlouquece".

Quem matou Teori Zavascki? 

Contardo Calligaris 


Resultado de imagem para Nietzsche

A última operação lançada pela Polícia Federal brasileira foi batizada "Cui Bono?" –"para o bem de quem?", "a quem beneficia?".

Quando se procura o responsável por um crime (ou por um fato que poderia ser um crime), quem sai ganhando poderia ser, no mínimo, suspeito. Não é?

De fato, a pergunta "a quem beneficia?", por si só, não leva ninguém a conclusão alguma.

Primeiro, um crime pode beneficiar a tanta gente que é impossível identificar, assim, o responsável. Segundo e mais importante, não somos seres racionais: não paramos de cometer atos que não nos favorecem e mesmo que nos prejudicam –por descontrole, vingança, rancor, amor, estupidez etc.

Na maioria dos casos, a pergunta "a quem beneficia?" só serve para produzir em nós a ilusão agradável de que compreendemos: de repente, a realidade pode ser "explicada" pelas supostas motivações dos indivíduos suspeitos.

A morte de Teori Zavascki foi um acidente? Sim, claro"¦ Como a morte de Juscelino, de Eduardo Campos etc. –cui bono? Quem tinha interesse em atrasar a Lava Jato? Ou em destruir documentos que dizem que estavam na pasta do magistrado?

Sites, blogs, tuítes não precisam dizer quase nada explicitamente. Eles preferem fazer alusão a segredos que sequer precisam ser mencionados: entre "nós" um olhar basta, "eles" não vão nos enganar.

Essa preferência pela alusão evita o ridículo que, sem ela, triunfaria.

Pegue a simpatia declarada de Donald Trump por Putin. Acrescente a intervenção de hackers russos nas eleições dos EUA e eis uma mistura do seriado "The Americans" com o filme "A Profecia": desde criança, Trump seria um agente russo dormente que conseguiu entrar no establishment dos EUA a ponto de se tornar presidente do país. Não é boa?

Já escrevi isto antes (migre.me/vVnLZ): há um tremendo prazer em saborear nossa capacidade de "entender" o mundo, e tanto faz se a "explicação" pouco ou nada tem a ver com a realidade.

A ideia de conspirações escusas atrás de tudo faz sucesso desde o fim do século 18, quando a história ficou órfã de Deus. Desde então, adoramos descobrir ou inventar que mãos sangrentas operam escondidas nas coxias do nosso teatro: aparentemente, a paranoia nos consola de estarmos num mundo sem sentido.

Nas últimas décadas, duas datas. A partir dos anos 1950 e 1960 do século passado, as explicações paranoicas do mundo se multiplicam –talvez por efeito da Guerra Fria, em que a inimizade do outro lado podia explicar quase tudo.

Nos anos 1990, chega a internet. Torna-se fácil propagar ideias em comunidades em que todos concordam (com quem discorda não é preciso argumentar, basta bloquear). O consenso alimenta a certeza de cada um e a loucura das interpretações.

Como já dizia Nietzsche, comentando Hamlet no "Ecce Homo": "Não é a dúvida, mas a certeza que nos enlouquece".

Enfim, a paranoia é hoje o estilo mais popular de explicação do mundo. Isso porque o mundo é mais complexo do que nunca e topamos qualquer negócio para nos iludir quanto à nossa capacidade de explicá-lo. Certo? Sim, e a internet facilita essa ilusão.

Agora, talvez não seja só pela Guerra Fria que, nos anos 1950 e 60, tenha aumentado nosso gosto pela explicação paranoica do mundo.

Justamente nesses anos, no Ocidente, o amor dos pais pelos filhos se torna dramaticamente narcisista, ou seja, cada vez mais, os pais esperam que os filhos realizem seus sonhos frustrados. Cada vez mais, os pais amam os filhos como prolongamentos de suas próprias vidas –como segundas chances deles, dos pais, e não como seres separados.

Você acharia revoltante um pai ou uma mãe que tivessem um filho para encontrar na criança órgãos compatíveis com os seus, para transplante? Pois bem, o amor narcisista dos pais modernos é o equivalente psíquico dessa conduta.

O amor parental se tornou, ao mesmo tempo, excessivo e opressivo: você será o que eu preciso que você seja para realizar meus sonhos.

Logo no fim dos anos 1940, uma grande psicanalista, Melanie Klein, descobriu que, já no primeiro ano de vida, as crianças temiam ser odiadas pela pessoa que mais amavam. Ela chamou esse temor de "posição esquizoparanoide". Por que será?

Com os pais que temos e que somos, não é de estranhar que a paranoia se torne a maneira mais popular de tentar compreender o mundo.

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