Almanaqueiras: ou não queiras.

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quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

É na relação espúria de empresários com ocupantes de cargos públicos que reside o maior crime organizado existente no país - e não nos moleques de calção e chinelo de dedo vendendo papelotes de cocaína.


Cid Benjamin

1. Penso que a afirmação de que a corrupção é inerente ao capitalismo contribui para dar um aspecto de normalidade, e de certa forma, tornar mais aceitável e compreensível a corrupção vigente no país. Acho que ela acaba passando a mão na cabeça dos corruptos. Além disso, posso ser cético em demasia, mas essa afirmação pressupõe que no socialismo não haveria corrupção. Eu me permito duvidar dela. O fim (?) da corrupção está ligado a uma mudança de valores, o que só se conseguirá muito a longo prazo, e à existência de mecanismos de controle e de punição dos "malfeitos". A curto e médio prazo, enquanto não houver essa mudança de valores, é preciso que ser corrupto deixe de ser vantajoso.

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2. Já morei em outros países capitalistas e afirmo: na maioria deles o nível de corrupção não era tão grande quanto no Brasil. Em alguns deles, como em países do Norte da Europa, era residual. O que se vê aqui é que o pagamento de propina não era exceção, mas praticamente se tornou regra em qualquer contrato com o poder público.

3. Sempre se reclamou que, até agora, apenas um ou outro corrupto de colarinho branco era flagrado. Raramente era preso. Quanto aos corruptores, bom, estes sempre ficaram impunes. Considero positivo que a punição chegue aos maiores capitalistas do país quando eles cometem crimes, rompendo com nossa tradição de só condenar pobres. Digo isso ressalvando que não me causa satisfação ver alguém atrás das grades.

4. Moro e o MP não têm isenção e a Lava-Jato usa dois pesos e duas medidas. Têm a mão pesada com os petistas e, até pouco tempo atrás, aliviava o PMDB. Quando ao PSDB, bem, quanto a esses a mão continua complacente. Mas, insisto, se a seletividade deve ser objeto de crítica, não pode ser usada como argumento de defesa de quem quer que seja. Não dá pra aceitar algo como "se todos roubamos, por que só eu sou punido?"

5. Em alguns casos houve exageros na Lava-Jato, é verdade. A condução coercitiva do Lula é um exemplo. Todos os exageros devem ser denunciados. Mas é fato que a maior parte das delações premiadas foi fechada com os réus em liberdade (pelo menos é o que dizem as autoridades, sem serem desmentidas) e as decisões de primeira instância foram quase todas referendadas por órgãos superiores do Judiciário. O próprio montante de dinheiro que está sendo devolvido de certa forma corrobora que tinha sido, sim, roubado. É difícil que alguém aceitasse restituir fortunas ganhas honestamente.

6. Ainda que possa haver exagero em uma ou outra acusação presente nas delações premiadas, é razoável supor que isso deve ser exceção, e não regra. Afinal, quem mentir perde o direito aos benefícios alcançados. Além disso - e esta é uma questão essencial - a simples delação não pode sustentar qualquer condenação. Ela deve ser um ponto de partida para investigações.

7. Resta uma questão: é razoável e ético que o Estado estimule delações? Afinal, como disse Marcelo Odebrecht até ele próprio resolver aderir à delação premiada, "o delator é o que há de pior". E todos sabemos que as confissões não se devem a qualquer tipo de arrependimento, mas à tentativa de, uma vez apanhado, o acusado tentar diminuir a sua pena. Este é um bom debate. Mas, apesar dos pesares, penso que a sociedade ganha com esse tipo de acordo com acusados. Ademais, ele é um poderoso instrumento para combater máfias, como essas que corrompem funcionários do Estado e drenam vultosos recursos públicos. É na relação espúria de empresários com ocupantes de cargos públicos que reside o maior crime organizado existente no país - e não nos moleques de calção e chinelo de dedo vendendo papelotes de cocaína.

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