Almanaqueiras: ou não queiras.

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segunda-feira, 10 de outubro de 2016

As comunidades menos privilegiadas do Brasil querem, antes de qualquer coisa, segurança, educação e saúde.


Rosana Pinheiro-Machado

Está chocada/o com Dória ter dito que todo mundo deveria ter acesso a Ralph Lauren, mas quando acusada/o de ter um iPhone e esquerda caviar, diz que a esquerda é para que todo mundo possa tem um iPhone. (Qual a diferença? A marca? Vamos falar então de exploração de mão-de-obra na China?) Para mim, está muito claro que esse "choque" - um tanto purista e hipócrita, é verdade - apenas mostra porque a esquerda se distanciou da periferia.

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A primeira acredita, do alto de seu gabinete, que representa os interesses da segunda. Mas será?.
Um dos maiores desafios da esquerda atualmente é entender, por exemplo, que as marcas, os bens de consumo manufaturados e os alimentos industrializados possuem um apelo enorme nas comunidades mais pobres: eles representam dignidade pessoal. A tal da inclusão pelo consumo, que, aliás, teve seu ápice na era Lula (mas é muito anterior a Lula)

Dória não se elegeu no primeiro turno se fingindo de pobre. Ao passo que muitos focam no discurso "gestor apolítico", poucos discutem os significados de se assumir rico em uma sociedade em que falta tudo.

Uma opção é dizer que o neoliberalismo dos pobres é uma cegueira. É o oprimido contra o oprimido. Achar que o pobre tem que, inevitavelmente, estar lutando contra sua posição de pobre a partir de movimentos sociais e a ação revolucionária.

Outra opção, a que eu simpatizo mais, é tentar entender o que as marcas e o consumo representam para essas pessoas. Quais são os papeis e os vazios que elas preenchem? Por que a Oklen é tão importante para aqueles que sofrem de dor dente e nunca puderam acessar um dentista? Para aqueles que vivem no fogo cruzado entre a polícia e o tráfico. Para a diarista que uma vez nos disse, "eu me sinto gostosa com esse óculos, e isso é tudo".

Para quem conhece minimamente o meu trabalho sobre propriedade intelectual, sabe que talvez o principio que mais norteia a minha vida política seja o "no logo/sem marca". Mas não cabe a mim projetar uma favela que só viva de orgânicos, trocas solidárias, arte de raiz e produtos manuais, quando a própria classe média de esquerda não vive disso.

Seria lindo uma sociedade marcada por mais solidariedade, trocas e compartilhamentos? Seria. Meu recado é apenas que antes disso precisamos ouvir e entender as prioridades dos mais pobres em toda a sua diversidade. As comunidades menos privilegiadas do Brasil querem, antes de qualquer coisa, segurança, educação e saúde. São coisas tão básicas, mas tão brutalmente ausentes (uma infecção no dedo não tratada que leva a perder uma mão porque demorou três anos para ver o dermatologista enquanto a senhora continuava a fazer faxina com a mão inchada), que o que são outros demarcadores, mais rápidos e imediatistas, que vão conferir para muitos - não para todos - dignidade e alento pessoal. As pessoas querem ser gente. O consumo, as marcas e o dinheiro ajudam nisso no âmbito das trocas interpessoais. Eles são poder para pessoas desempoderadas.

Esse é o empoderamento que a esquerda quer para a sociedade? Não. Mas precisamos primeiramente entendê-lo.

A esquerda precisa melhorar. Ela não aprendeu nada com os rolezinhos, nadica de nada. Uma bela oportunidade perdida.

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