Almanaqueiras: ou não queiras.

Almanaqueiras: ou não queiras.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

me recuso a servir de macaco-amestrado-de-feira exibido a uma horda endinheirada, pernóstica, vazia e alegre, na bela cidadezinha de Paraty, que aliás não conheço.

Os labirintos de Kafka e as bondades do Banco Itaú

Sebastião Nunes


Há três anos fui convidado para uma mesa na FLIP, esse reino encantado dos escritores e leitores adoradores de bezerros de ouro. O convite chegou por email, e foi recusado. Imaginando talvez que houvesse engano, o então curador, ótimo jornalista, culto e educado, ligou para a minha casa repetindo o convite. Recusei novamente, dando a ele minhas razões, que acabou aceitando. Nos despedimos como amigos.

O que eu não disse a ele é que me recuso a servir de macaco-amestrado-de-feira exibido a uma horda endinheirada, pernóstica, vazia e alegre, na bela cidadezinha de Paraty, que aliás não conheço.

(Não por acaso a primeira letra de FLIP, é um F, designando festa. E até onde aprendi ralando, nesses mais de 50 anos dedicados a ler e escrever, festa não tem nada a ver com literatura.)

O que eu também não disse a ele é que só de imaginar a mim e meu parceiro da eventual mesa (velho amigo poeta cego, um dos maiores da língua), usados para alimentar a curiosidade de uma classe média pretensamente intelectual, só de imaginar isso, repito, eu tinha vontade de vomitar.

Nunca usei tal recusa para me engrandecer. Cito hoje apenas para reafirmar que não gosto da classe média, não gosto de escritor marqueteiro e adoro uma boa briga, política ou literária. Estabelecido o confronto, vamos em frente.


MORDOMIA DE INTELECTUAIS

Participei a convite, alguns anos antes, com cerca de 60 escritores de todo o país, de um encontro festivo de três dias no Itaú Cultural, em São Paulo, com tudo pago.

Era engraçado de ser ver 60 escritores maduros, entre ótimos, bons e medíocres, saracoteando para lá e para cá durante três dias, comendo e bebendo de graça e, de vez em quando, dando entrevista para os arquivos do Itaú. Era preciso justificar a gastança junto ao patrocinador, sem dúvida o governo federal através da Lei Rouanet.

Explicação? Naquele tempo minha curiosidade era maior do que minha ojeriza.


É DANDO QUE SE RECEBE

Está no ar pela TV um comercial patrocinado pela Fundação Itaú Social, oferecendo 3,6 milhões de livros grátis. São dois títulos disponíveis. Basta pedir para ganhar. A campanha, iniciada em 2010, já distribuiu, dizem eles, mais de 48 milhões de livros, sem qualquer despesa para os pedintes.

Não discutirei quem paga direitos autorais e tiragens, já que é muita grana e certamente envolve logística pesada e formas sofisticadas de arrecadação. Duvido é que os recursos saiam do caixa do próprio Itaú.


QUASE ACERTANDO A QUINA

Este ano a Editora Dubolsinho teve um livro selecionado por uma entidade parceira do Itaú para uma compra de 4.000 exemplares. Ao preço máximo que pagam seriam R$ 40.000,00 brutos – soma considerável diante de nossa penúria atual.

Era um livro relativamente antigo, um dos primeiros que editamos: “Cordão de prata”, de Manoel Lobato, uma comovente novela de fundo social e místico.

Alegríssimo, esfreguei as mãos. O que fazer a seguir?

Livro selecionado, cabia a nós, da editora, cumprir uma série de formalidades burocráticas até a efetivação da compra.

Primeiro passo: cadastramento no site do Itaú como fornecedor de brindes.

Segundo passo: incluir no site do Itaú, depois do cadastro aprovado, uma série de documentos relativos à regularidade fiscal e à saúde financeira da empresa, além de preencher extenso formulário, uma espécie de folha corrida empresarial. Nada demais. Para uma empresa como o Itaú, que lida com bilhões, é razoável exigir o máximo de comprovações de uma empresa que sempre beirou a falência.

Pois não. Enviamos comprovantes de faturamento/receita dos três últimos anos, certidões negativas, exemplares do livro e da capa separados. Imaginei que, de lá, deviam rir de nossos balanços e faturamento. Quanta pobreza!

NO MUNDO JURÍDICO

Finalizada essa etapa – que durou cerca de dois meses – passaram-me para um escritório jurídico especializado, suponho, em direitos autorais. E toma papelada. Mais autorizações, contratos e adendos.

Durante essa etapa e a anterior, mobilizei a família do autor (já que ele está doente e sem condições de providenciar coisa alguma) para a obtenção da papelada.

PISARAM NO MEU CALO

Cumpridas as exigências, passei a esperar o contrato. Fez-se então o silêncio.

Esperei. Uma semana. Duas semanas. Três. Um mês.

Quando mandava emails solicitando esclarecimento, respondiam educadamente que eu devia entrar no site e verificar a situação da compra.

Foi o que fiz. Uma vez. Duas vezes. Dez. Vinte.

Um dia, finalmente, não aguentei mais e apelei. Exigi uma resposta.

E ela veio: a Dubolsinho não atendia aos requisitos exigidos para a compra.

Como? Mas eu não apresentara toda a papelada pedida e mais alguma coisa, de tanto documento que mandei?

Não, senhor. A empresa não atendeu aos requisitos.

Furioso, embora aparentando calma, indaguei: e que requisitos foram esses?

Resposta: não podemos dizer, são decisões internas e reservadas.

Meu queixo caiu. Se não foram meses de tortura psicológica, não sei o que será.

KAFKA MANDA LEMBRANÇA

Vi, em anos anteriores, alguns dos livros distribuídos pelo Itaú. Esteticamente, são medíocres. Graficamente, abaixo de medianos. Banais, em termos de ilustração.

Ofendido pela campanha agora no ar, exibindo o Itaú como um reizinho bondoso a distribuir benesses, não aguentei e resolvi soltar aqui meus magros cachorros.

Se alguém acha que estou reclamando por não ter sido escolhido, tem razão. Ou usam transparência ou deixam de se exibir como patrocinadores de nossa cultura. 

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