Almanaqueiras: ou não queiras.

Almanaqueiras: ou não queiras.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

MINHA BRASÍLIA VERDE

(EDUARDO PEREIRA)
Meu pai morava em João Pessoa e sua família em Brasília. Era meados da década de setenta. Brasília, quando do período de seca, sua arborização é uma tristeza só. A cidade fica com seus gramados amarelados, anêmicos, mas quando chove, é uma alegria Sol. Seu gramado fica um tapete verde, proporcionando um colorido especial a nossos olhos. Mas não é dessa Brasília que pretendo falar aqui. Trata-se de Brasília, automóvel.
Meu pai morava em João Pessoa e sua família em Brasília. Era meados da década de setenta. Ele resolveu presentear a família com o sonho de consumo de praticamente todo brasileiro: um automóvel. Então ele comprou uma brasília verde, verde abacate, zerada, o carro popular da moda da época. E ele mesmo resolveu entregar o presente. Então partiu de João Pessoa rumo à Brasília. Sozinho. Paraibano que era, tranqüilo que era, tomou a estrada. Chegou de surpresa à Brasília com a brasília. A família, lógico, ficou toda satisfeita.
Narrou meu pai que demorou um pouquinho mais a chegar porque se enganara em certo trevo, e, devido a isso, chegou primeiro a Vitória-ES do que à Brasília. Tranqüilo que era tranqüilo ficou, mesmo com o espanto de todos pela volta desmedida.
Tranquilo que era, ninguém queria andar com ele, porque sua tranqüilidade assustava os motoristas no trânsito. Aliás, a única pessoa que andava com ele era minha mãe, fiel escudeira. Às vezes não dava setas, não buzinava – aqui em Brasília, tudo bem, só se usa buzina em caso extremado. Na entrada da cidade já se vê um aviso aos visitantes de que na cidade não se usa buzina – não sinalizava em nada para entrar numa rua ou para ultrapassar outro carro.
Meu pai era o verdadeiro milagre brasileiro: não dirigia coisa com coisa e nunca bateu. Com certeza com o beneplácito da minoria e o xingamento da maioria dos motoristas. Sales, meu irmão mais velho do que eu, resolveu desafiar sua coragem e certa vez resolveu enfrentar o carona com o patriarca. Pelas largas avenidas de Brasília meu pai estava se sentindo bastante a vontade, mas mesmo assim Sales começou a se preocupar, pois a cada instante ouvia um grito de motoristas: - “Ô paraíba!”, “Qualé, ô paraíba!”... Meu pai, tranquilo que era, tranqüilo ficou, pensando que as pessoas de Brasília o estavam elogiando por visitar a capital do país, pois a placa de sua brasília o anunciava como sendo de João Pessoa. Para Sales isso não estava cheirando bem e começou a  observar que nosso pai só acionava a seta inversamente. Se ia entrar pra esquerda, ele dava seta pra direita, e vice-versa. Daí estava o motivo de tanto chamarem meu pai de “paraíba”,  jocosamente, e não de paraibano, elogiosamente.
Chegando em casa, Sales, suando frio, nervoso, requerendo suco de maracujá, resolveu fazer um teste com o velho. Ficou atrás da Brasília e solicitou que papai acionasse a seta para a esquerda, e o velho acionava para a direita, e vice-versa. Mostrou para ele seu ato falho. Ato falho, vírgula! Não se dava para entender como meu pai conseguira passar no exame de admissão para motorista. Ele respondeu para Sales sobre seu “ato falho”: - “É... Esse foi o único erro que a escola de motorista ensinou-me errado”. Sales apenas conteve o riso no canto da boca. E mais não poderia fazer porque o homem adorava dirigir. Ou, brincar de dirigir.
 Chegou a hora dele partir e deixar a máquina verde como presente para família. Partiu o mautorista para João Pessoa e a brasília ficou na garagem de casa.
“Ficou” é o verbo correto, pois nem mau, como meu pai, ninguém da família sabia dirigir. Melhor que fosse assim. Éramos oito irmãos. Saíamos todos para trabalhar de ônibus e a azeitona lá, parada.
Por essa época, Joaquim filho de dona Paula e ‘seu’ Nezim da papelaria, e taxista de Cajazeiras, chegou à Brasília para fazer residência médica. Viera de Recife. Quase todo final de semana – fora seus plantões – ele, vizinho nosso de rua, da Pedro Américo, em Cajazeiras, vinha lá pra casa para a gente dá uns rolés pela cidade. Então ele se tornou, além de médico, motorista particular do bando dos Pereiras, até que alguém da família se habilitasse para ganhar as largas avenidas de Brasília.
Valdim se habilitou e tornou-se o motorista pioneiro da família Pereira e para alívio de Dr. Joaquim. A Brasília só andava lotada com a Família Trapo. Se tivéssemos que fazer visitas a familiares, uma parte ia um final de semana e no outro a outra banda da turma. Apesar do aparente desinteresse por dirigir da família -
à época Brasília tinha um bom serviço de transporte público – foram surgindo um e outro com suas habilitações e se compartilhava a direção do ‘abacate’ tranquilamente.
Valdim também foi pioneiro em desastre com o ‘capim de vaca’. Certa vez exagerou na dose em farra e capotou o ‘pimentão’. Amassou todo o teto e ele saiu ileso. Lavoisier, filho de Teotônio, mecânico famoso de Cajazeiras, era, e é ainda, amigo da patota Pereira, e motorista de primeira qualidade assessorava-nos de bom grado nessas oportunidades aporrinhantes da brasília. Lá vai Lavoisier socorrer Valdim, que ao ver o filho de Teotônio foi logo dizendo sofregamente: “eu não bebi nada, Lavô, eu não bebi nada, Lavô!”. Lavô deu logo um esculacho nele: - “Sai de perto de mim, bacana, se não eu me embebedo”. Valdim tava que tava um pudim de cachaça.
Consertada a ‘verde oliva’ sua trajetória continuou. Certa vez fomos tomar um mé com amigos cajazeirenses no apartamento de Lavoisier e Lamark e, eu e Maurinete, minha namorada à época, chegamos pomposos na brasília. Lógico, eu já sabia dirigir. Tomamos todas, e mais algumas, e, quando nos despedimos da galera, fomos em rumo á brasília, e, chegando ao local onde havia eu deixado o possante, cadê a bichinha? Roubaram nosso presente de estimação. Lavoisier mais uma vez estava em nosso socorro e acionou seu poderoso oplalão, saindo cantando pneu rumo à delegacia para registrarmos o furto. Mau saímos do estacionamento do bloco residencial de Lavô, a menos de cerca de trezentos metros, estava lá o ‘verdão’ no meio da pista, abandonada. Ufa! A questão era que, a bicha tava com um problema mecânico no acelerador e eu não tinha ido ao mecânico. Só quem sabia dirigi-la era eu. Se se tirasse o pé do acelerador ela apagava, e quando se ia freiar, tinha-se que fazer o controle rapidamente para o carro não pifar, e os bandidos não souberam fazer esse controle, para nossa sorte.
A brasília já estava bem velhinha, já entrando no final da década de oitenta, e mamãe tinha essa máquina como patrimônio da família. Era relíquia. Toinho, meu irmão, emprestou nosso patrimônio a um amigo por dois anos. Como dissesse: - “fique aí, meu amigo, emprestado com esse carro por dois anos!”. Depois retornou à família já pedindo aposentadoria ao INPS. Para não colocá-la num asilo eu comprei á mamãe por R$ 500,00 (quinhentos reais – valor à época). Foi meu primeiro veículo comprado. Coloquei um piso nela, que estava quase caindo e mandei fazer uma nova pintura verde, claro, digo: não verde-claro, mas verde abacate, sua cor original, pois a dita estava toda desbotada. Foi-me bastante útil. O ronco de seu motor parecia com o de uma lancha, mas mesmo assim não me deixava na mão. Em certa ocasião deixei-a estacionada na Avenida W3 Sul, aqui em Brasília, e enquanto tratava de assuntos particulares, mais uma vez bandidos tentaram levar a bichinha. Era moda roubar Brasília e fusca para retirar o motor para se usar em ultraleve. Chego ao local onde havia deixado o presente de papai à sua família, e ela não mais estava lá. Dessa vez fomos derrotados. Nunca mais a vimos. A não ser a suspeita de que ela estava nos ares de Brasília.
Até hoje sou apaixonado pelo verde de Brasília, ou, pela brasília verde.

Eduardo Pereira      

2 comentários:

  1. Caro Claudiomar: gostaria de estar aqui falando daquela Aero Willys que seu pai tinha, mas... Vai de brasília assim mesmo!

    ResponderExcluir