Almanaqueiras: ou não queiras.

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sábado, 15 de abril de 2017

Saturada de notícias tétricas e preocupantes: “esses tempos não tão pra ninharia”.

A boa, por favor!

Zélia Duncan

Ai, vontade apenas de esvaziar um pouco a cabeça



Saturada de notícias tétricas e preocupantes, vendo repetidamente as cenas da Síria, que me fazem fechar os olhos ou desabar de vez. Corpos de crianças sem vida, não suporto mais. Explicações sobre o que são o gás mostarda e o gás sarin. Não têm cheiro, chegam sem que se note exatamente. Mostram campos de concentração. Mais exemplos do que faz o gás. Mais angústia. Atentados em igrejas ou mesquitas, ou nas ruas. Sempre Trump, cuja especialidade é brincar com botões. Ele vai de ordinários zaps a ordens que enviam mísseis, como quem toma um sorvete com dois sabores, e se diverte da mesma maneira que enjoa de tudo de repente. E, por aqui, nossas desgraças cotidianas, como campos coalhados de minas terrestres, explodem a cada passo.

Vez em quando, logo eu, mesmo careta, posso jurar que tomei um ácido, um chá, uma balinha dançante. Vejo coisas. Bolsonaro na Hebraica. Adriana Ancelmo no Leblon. Zé Pobre Mayer apontando sua desgastada imagem de galã pra todo lado. Maria Eduarda, estudante sonhadora, que parecia blindada por pessoas bem intencionadas, corajosas, com tantos movimentos para uma vida mais digna e, apesar de tudo, alegre, atingida dentro de sua escola, por quem devia protegê-la. Que muro frágil é esse que construímos que, em vez de segurar a bala, a conduz justo pro lugar mais vivo de todos?

O governo do Rio, querendo isentar de impostos a nova fábrica da Ambev. São R$ 650 milhões que deixarão de entrar para os cofres de um estado que está falido em todos os aspectos, se a sugestão vingar entre os que elegemos para a sofrida Alerj. Mas, ainda que os deputados tenham vergonha na cara dessa vez, fico pensando que o simples fato de haver esse pedido é mais uma mancha indelével no desgoverno que vivemos. Ele pede urgência na decisão. Alguém consegue entender o porquê? Alguém tem algo diferente pra dizer, do que isso que está passando na minha cabeça neste momento? Todo mundo sabe que a Ambev é a Companhia de Bebidas das Américas e já foi a maior empresa da América Latina, certo? Como diz a canção, “esses tempos não tão pra ninharia”. Tudo é milhão, beirando o bilhão, seja nos impostos devidos e não pagos, seja nas somas das mochilas pesadas de propina, seja nas contas na Suíça, gordas pelo mesmo motivo. Bem, o agressor do BBB foi retirado porque mostrou parte de suas garras, isso achei muito importante e, de toda forma, alentador. Não (mais) passarão. E, pra arrematar a depressão, mais uma lista de inocentes confirma que 1/3 do Senado está tomado.

Ai, vontade apenas de esvaziar um pouco a cabeça, afrouxar o aperto no peito, falar de coisas mais simples da vida, que dão mais vontade de viver.

Ensaios. Ensaios costumam ser ambientes bem estimulantes. É incrível ver um espetáculo nascer, ver o crescimento de cada um, a percepção aumentando, em relação ao espaço, ao limite que muda de lugar, se expande pra virar vitória. A confiança que precisa existir num grupo que se joga junto num palco, que é sempre um lugar misterioso. Você ensaia pra lidar com o imponderável, para estar preparado para as noites, que nunca são iguais. Qualquer coisa diferente que alguém faça muda o todo, e sempre alguém faz algo diferente, porque no palco, com todo treino, toda prática, toda repetição, continuamos sendo de carne e osso, e neste fato mora toda poesia, todo risco, toda loucura. Tudo pode acontecer, inclusive sermos muito melhores do que em todos os ensaios. Podemos errar e provocar no colega uma saída genial, vai saber.

Isso sem falar no público, que sempre traz sua participação, sua atitude diante do que vai ver. Ainda que esteja olhando para a tela impiedosa do celular. Deixou de ser, deixou de estar e, assim, participou. Cada um dá o que tem. “Se eu tivesse mas alma pra dar, eu daria, isso pra mim é viver.” Fico com esse verso, da parceria de Djavan com Caetano! Não quero perder a viagem. A coisa mais importante dos ensaios é a data de estreia. Precisamos muito dela, que ela chegue e nos tire dali, que nos faça virar realização e, principalmente, nos liberte, para que novas ideias tomem forma. Ensaiar sem data é uma espécie de noivado que dura 20 anos e se desfaz de repente, porque um dos dois vai conhecer alguém e se casar com essa outra pessoa dali a um mês.

Em música, quando, em processo de ensaio e horas infinitas de estúdio, acabamos de tocar uma canção e queremos repetir, alguém diz: “A boa”! E todos sabem que vamos tocar outra vez, e que a próxima será a que deve valer. A vida bem que podia ser assim. Um ensaio, pra fazermos a boa, aquela em que seremos melhores, porque conscientes dos erros da última vez. Ou simplesmente porque queremos fazer com mais coração e capricho. 

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