Almanaqueiras: ou não queiras.

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quinta-feira, 9 de março de 2017

o parnasianismo impregnado nos belos cortes do seu terno preto bufa.

Temer rende às mulheres uma anti-homenagem

Josias de Souza




O pensamento humano é algo tão complexo que nem o pensamento humano é complexo o bastante para compreendê-lo. Difícil, muito difícil, dificílimo saber onde Michel Temer estava com a cabeça quando decidiu homenagear as mulheres no Dia Internacional delas com um discurso em que enaltece o papel doméstico das homenageadas.

Ao realçar seu reconhecimento a tudo “quanto a mulher faz pela casa, pelo lar, pelos filhos”, Temer conseguiu insultar até os homens contemporâneos, que se esforçam para dividir as tarefas de casa com parceiras cada vez mais inseridas no mercado de trabalho. A “adequada formação” dos filhos “quem faz não é o homem, é a mulher”, disse o orador, com o pensamento em desalinho.
Temer, 75, é um homem entrado em anos, como se dizia na sua época. Parece não enxergar a evolução ao redor. Seu discurso talvez fosse bem recebido pelas Amélias da década de 1940, mulheres que não tinham “a menor vaidade”, cantadas por Mário Lago e Ataulfo Alves.
O discurso de Temer soaria ultrapassado já na década de 1960, pois nele não caberia uma brasileira como Leila Diniz, mocinha que vinha precedida de inebriante legenda —deixava a Vênus de Milo no chinelo. Com a vantagem de ter braços.
Nelson Rodrigues dizia que gostava de falar sobre fatos do passado porque eles “exalam um cheiro de remédio de barata.” O cronista se explicava: “É ótimo que assim seja. O remédio de barata é justamente o passado. Sim, o passado em aroma.” A mulher de que falou Temer, ainda presa ao universo do lar, tem cheiro de naftalina.
Ao transportar essa mulher com aroma de passado para 2017, Temer produziu uma hedionda anti-homenagem. Perdeu uma excelente oportunidade de perder uma oportunidade.


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