Almanaqueiras: ou não queiras.

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terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

"a pobreza é uma doença que passa de geração para geração".

Notas para colunas inviáveis

Mario Sergio Conti 




Beth Carvalho disse nesta segunda na Folha que o Carnaval virou um "esquemão" para a "elite da elite"; e que as escolas de samba são "reféns do patrocínio". O sucesso do Carnaval de rua, para ela, foi uma forma de protesto.

Talvez por isso se tenha gritado "Fora, Temer" nos blocos, enquanto os desfiles foram a pasmaceira de sempre, apesar de milionária.

Beth falou que não canta mais "O Teu Cabelo Não Nega". Porque aprendeu que a marchinha é racista: "Se Lamartine Babo errou, por que errar de novo?"

Mas a cantora é exceção. O politicamente correto é ridicularizar o politicamente correto, e seguir com o racismo brejeiro, bem brasileiro.
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O politicamente correto chegou com tudo ao Oscar, o que é prova da sua correção moral e ineficácia política. O ganhador do prêmio de melhor filme, "Moonlight", soma três categorias (gênero, raça e geração) e três problemas (bullying, drogas e violência) para chegar à cena contemporânea. Debalde.

O concorrente mais politizado era "A Qualquer Custo". Ele disputou outras três estatuetas e não ganhou nenhuma, nem a de coadjuvante para Jeff Bridges –outra vez excelente. Talvez porque o filme fale de história e economia, disciplinas fora de moda, e se filie a um gênero defunto, o faroeste.

"A Qualquer Custo" explica a opressão por meio da propriedade. Os nativos foram massacrados no Velho Oeste pelos colonos, cujos descendentes, cheios de dívidas, são agora novamente massacrados.

A entidade que financiou a conquista da terra e do ouro, e hoje expropria os endividados, é a mesma: os bancos. Por isso, um personagem diz: "a pobreza é uma doença que passa de geração para geração". Para sair dessa prisão, só com violência e bandidagem.
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No diário do exílio, Brecht defende que Hamlet é um idealista que se converte num cínico. Nesse espírito, se poderia adaptar a peça para o Brasil recente, com Dilma no lugar de Hamlet. Seria um enredo cruel e desordenado, um caos de intrigas, traições e espadas envenenadas. Uma carnificina deplorável e desprovida de moral que mostrasse a autodestruição do clã petis- ta. Fernanda Torres seria uma Dilma excelente.

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Ulysses Guimarães afundou no helicóptero de um empresário. Eduardo Campos explodiu num jatinho mutretado. Teori Zavascki caiu no mar com um estalajadeiro de luxo. Aécio Neves rabeou na pista e quase virou outro Mártir da Guerra Alada Contra a Corrupção.

O desejo maior de todo político é não entrar nunca mais num avião de carreira. Aécio ia a São Paulo para um encontro com Fernando Henrique. Como senador, tem direito a passagens. Preferiu o jatinho pago por anônimos. Viajou só, com piloto e copiloto. Voou pouco, mas foi longe.
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Numa página de "O Capital", explica-se a natureza e o trabalho com a comparação entre criaturas que constroem. Uma abelha hábil pode até envergonhar arquitetos com os favos intrincados que faz. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele usa a cabeça, tem ideias –obtém um resultado que existiu antes na sua imaginação.

Pois bem: Temer e sua colmeia imaginam construir algo? Ou põem em prática cegamente o que o capital determina? Comparar o bom selvagem ("Discurso sobre a Origem das Desigualdades") com o homem automático ("A Ideologia Alemã"). Concluir que é mais fácil imaginar o fim do mundo –da natureza– que o fim do capitalismo.

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