Cajazeiras: década 60/70. Sempre morei na Rua Pedro Américo quando residi em Cajazeiras. Nasci lá, me criei lá, me eduquei com a molecagem de rua, lá. O mundo passava pelo meu olhar infantil e adolescente, lá.
Pedro Américo foi o grande pintor de batalhas históricas. Foi ele quem pintou o quadro Independência ou Morte, mais conhecido como O Grito do Ipiranga. Ele nasceu em Areia-Pb.
Como a canção popular, eu tinha vontade de ladrilhar aquela rua de pedrinhas de brilhante só para ver os acontecimentos da cidade e as pessoas nela passarem com muita doçura, com açúcar e com afeto, como falava a canção de Chico Buarque.
Na Pedro Américo passava Zé de Souza empurrando sua bicicleta por não querer subir a ladeira do início da rua, pedalando.
Na Pedro Américo passava parte dos carros de mão vindos da Camilo de Holanda com as bagagens dos feirantes que iam montar suas barracas na praça dos carros.
Na Pedro Américo passava, ou desfilava, grande parte dos estudantes – do turno matutino, vespertino e noturno - do Colégio Estadual que iam e vinham de seus estudos, todos uniformizados de calça azul e camisa branca, livros debaixo dos braços – praticamente não existia mochilas.
Na Pedro Américo, o pessoal que morava em Cachoeira dos Índios sempre passava por lá, indo e vindo. Caminhonetes lotadas. Até parecia Cajazeiras ser um bairro para eles, de tão freqüentes eles estavam na terra do Padre Rolim. A família Cândido, tradicional de lá, tinha até uma casa na Pedro Américo, mas funcionava mais como um ponto de apoio do que residência fixa.
Na Pedro Américo, obrigatoriamente, qualquer manifestação política, de passeata, passava por lá. De qualquer partido.
Na Pedro Américo - não tinha outra saída - o Colégio Estadual e a Banda Santa Cecília, esta dirigida pelo maestro Esmerindo Cabrinha – meu vizinho gente boa – nos desfiles cívicos, tinham que passar por lá.
Na Pedro Américo, era caminho certo, Dr. Epitácio – que morava na Rua Dr. Coelho - passar por lá em seu carro, sempre com uma mão no volante e a outra, em forma de ‘u’, encaixando-a sobre a parte superior da porta. Não tinha jeito, sempre era essa posição. Em casa, antes da hora do almoço, antes de minha mãe preparar nossos pratos, ficávamos sentados nas cadeiras brincando, com uma tampa de panela, simulando um volante de automóvel, e dirigíamos ficticiamente um carro. Mas o detalhe era: uma mão na tampa e a outra na mesma posição que Dr. Epitácio fazia.
Na Pedro Américo tinha o Círculo Operário, construído em 1952 por seu Presidente Horácio Alves Cavalcanti, que não alcancei sua gestão, mas vivi as gestões de ‘seu’ Mendonça e ‘seu’ Zé Sacristão. Lá, os velhinhos se reuniam e faziam festas comemorativas. Eu não perdia uma festa daqueles senhores e senhoras.
Na Pedro Américo, de um lado era casas, de outro, era o muro do Prédio das Freiras, mais tarde Cine Pax. Esse muro servia de mural para gente rabiscar e desenhar à carvão e gesso. Toinho, meu irmão, desenhou um emblema do Botafogo do Rio de Janeiro, time que torcia, praticamente escarificando a parede, e por isso ficou lá por muito tempo.
Na Pedro Américo, na calçada de terra batida do prédio do Cine Pax, nós brincávamos rodando peão, dando altas bicoradas no peão morto – o peão que ficava deitado do adversário, e também jogávamos triângulo, no inverno, quando o chão da calçada estava mole. Com um pedaço de ferro pontiagudo, espécie de arame grosso, desenhávamos um triângulo no chão, e a cada fincada no terreno íamos fechando o círculo em redor do triângulo até fechar definitivamente, em contraposição ao outro jogador.
Na Pedro Américo só tinha gente fina, gente de primeira, gente que se parecia uma só família. Tinha comerciante, professora, policial aposentado, agente fiscal, caminhonheiro, maestro, pintor de parede, músico, funcionário público...
Na Pedro Américo, como em toda cidade de Cajazeiras, as portas das casas ficavam abertas. Só fechavam quando íamos dormir. Os vizinhos colocavam cadeiras na calçada para trocar dois dedos de prosa. As mulheres acudiam uma as outras nas horas necessitadas, com um pouquinho de óleo, um pouco de açúcar, um pouquinho disso, um pouquinho daquilo... E quando se fazia bolo e doce, sempre se repartia com os vizinhos, principalmente no tempo das pamonhas e canjicas.
Na Pedro Américo fui crescendo e percebendo que, cada Rua de Cajazeiras era tão importante quanto a Pedro Américo. A visão de mundo da criança da Pedro Américo, tinha o mesmo prisma da criança da, por exemplo, da Praça João Pessoa. Se eu perguntar ao meu amigo Eriston, o Neném de Eudes Cartaxo, ele falará do maravilhamento da Avenida que é o coração da cidade. Se eu perguntar ao meu amigo Ubiratan, o Bira, ele também falará do espetáculo que era morar de frente para a Prefeitura de Cajazeiras, o poder das decisões, o centro das atenções. Se eu perguntar pro meu amigo Lavoizier, ele também falará muitíssimo bem de sua rua, com o meu amigo Carlos Doido da Camilo de Holanda, como os meninos da Barão do Rio Branco, etc...
Fui percebendo que não era a rua, em si, o foco do encanto, mas nós, crianças, era que éramos as encantadas.
Eduardo Pereira
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