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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Callado é autor de quatro romances fundamentais para a compreensão do Brasil da ditadura militar de um ponto de vista -digamos- de história das mentalidades.

Callado acreditava que o papel do intelectual é intervir na política

Sergio Rodrigues 


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Reputações literárias, como ações na Bolsa, estão sujeitas a oscilações. A do romancista, jornalista e dramaturgo Antonio Callado vem declinando nas últimas décadas, o que parece ter relação com sua visão política da literatura.

Callado é autor de quatro romances fundamentais para a compreensão do Brasil da ditadura militar de um ponto de vista -digamos- de história das mentalidades. De "Quarup" (1967) a "Sempreviva" (1981), passando por "Bar Don Juan" e "Reflexos do Baile", nenhum outro escritor compôs um painel tão vasto do período entre o golpe de 1964 e a redemocratização.

Se "Quarup", adaptado para o cinema em 1989, é seu título mais emblemático, a história de desilusão que leva o idealista Padre Nando a aderir à luta armada perde em requinte literário para "Reflexos do Baile".

Formalmente ousado, este romance de 1976 é um quebra-cabeça de vozes que o leitor deve montar para vislumbrar um painel das forças sociais em conflito naquele momento. Revela o amadurecimento artístico de um ficcionista que nunca se distanciou da missão -jornalística, digamos- de refletir a realidade nacional.

Ligado ao Partido Comunista, Callado sempre acreditou que o papel do intelectual é intervir na realidade política. Até em obras mais antigas e convencionais, como o romance "A Madona de Cedro" (1957), seu apetite pela brasilidade é evidente. O mesmo se pode dizer de suas peças, como "Pedro Mico", e da maioria de suas grandes reportagens.

Se é compreensível que essa "escrita de combate" funcione melhor em momentos de supressão de direitos do que no ambiente distendido -mas também mais confuso-, de uma democracia, seria um erro considerar Callado "datado" ou classificá-lo como realista socialista.

Há um abismo entre o lixo stalinista produzido por Jorge Amado em "Os Subterrâneos da Liberdade", por exemplo, e um livro rigoroso como "Reflexos do Baile". O fato de o mecanicismo ser nocivo não quer dizer que a arte seja desprovida de dimensão política. As ações de Callado naquela Bolsa de Valores têm tudo para voltar a subir.

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