Hoje cedo, durante o banho de sol do Leo, um vizinho que entrava no prédio veio puxar papo comigo. "Hoje tem manifestação contra a corrupção!" ele me disse, animado, e continuou: "Você vai? Pode levar o bebê, é uma manifestação de gente de bem!".
Eu disse que não, que não iria porque não acredito na pauta da manifestação e sabia que iriam, entre outras "pessoas de bem", diversos defensores da volta da ditadura militar e coisas do tipo. Ele ficou um pouco chocado com minha resposta, pois aparentemente tinha certeza que encontraria em mim, uma vizinha, eco. E me perguntou minha profissão. Eu respondi. E ele me disse, com um certo desprezo: "Psicanalista...Tinha que ser. Falta só você me dizer que é uma dessas intelectuais de esquerda".
Esse ~intelectuais ~ ele pronunciou pausadamente, com uma entonação de desprezo. Parei por alguns segundos e, pensando nesse crescente ódio aos intelectuais, respondi: "Levando em conta que todo aquele que efetivamente tenta pensar o mundo é intelectual, sim, eu sou intelectual. E lamento que isso de pensar o mundo ande tão mal visto por alguns." Ele saiu com muita raiva daquela breve conversa, quando esperava encontrar mais um morador do mesmo condomínio, com quem pretendia trocar animadamente palavras de ordem de "fora PT e chega de corrupção" . Foi andando sem esconder a cara bem emburrada, cheio de ódio, vestindo sua camisa verde e amarela. Deve estar até agora me ofendendo e falando para sua família sobre a desprezível intelectual esquerdopata do prédio.
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Se tem uma coisa que aprendi, e devo muito à faculdade por isso, é o valor do rigor conceitual. E levei isso para minha prática clínica. Sem conceitos muito bem delimitados, não há metodologia possível. A própria psicanálise seria inviável.
Aí a gente fala em fascismo e aparece um pessoal gritando e dizendo que não, não é fascismo. Mas se o sentido estrito do termo fascismo é discutível, as pré condições não, e elas estão aí. Até fácil enumerar (patriotismo, intolerância com divergentes, defesa das Armas e do pensamento autoritário, desprezo por intelectuais...).
Existem muitos interesses e defesas psíquicas envolvidos nesse movimento do "apego ao conceito" que andam cobrando. Não vi um defensor do "tradicional conceito" que não o estivesse subvertendo por uma agenda própria.
Não podemos esquecer que o rigor conceitual decorre do aprimoramento do conceito que é historicamente construído.
Por último, se pessoas já estão sendo cotidianamente ameaçadas e agredidas, me parece que estamos vivendo esse momento histórico que testa e questiona os limites de conceitos previamente estabelecidos.
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É uma onda fascista, sim. Que só cresce.
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