Almanaqueiras: ou não queiras.

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quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Rita Lee: lugar certo entre as deusas da MPB.

Em autobiografia 'terapêutica', Rita Lee faz as pazes com seus traumas


David Bowie das selvas. Guerrilheira do desbum. Porra-louca irrecuperável. Para-raio de freaks. Big mamma. Tirana. Tolinha. Bipolar. Cantora fake. Hippie-comunista com um pé no imperialismo.

Todas essas são Rita Lee Jones, 68, segundo ela se descreve em sua autobiografia, editada pela Globo Livros e com lançamento marcado para o próximo dia 16.
Escrito com o bom humor e o sarcasmo característicos da cantora, o livro traz revelações sobre sua vida pessoal –incluindo um estupro, um aborto e incontáveis baixarias e internações derivadas de drogas– e artística.

"Numa autobiografia que se preze, contar o côtè podrêra de próprio punho é coisa de quem, como eu, não se importa de perder o que resta de sua pouca reputação", escreve ela. "Se eu quisesse babação de ovo, bastava contratar um ghost-writer para escrever uma 'autorizada'."
A obra surgiu a partir do que a cantora descreve como "meu atual modo 
'dolce far niente' de viver no mato".

"Entre cuidar da minha horta, pintar um quadro e cuidar dos meu bichos, fui escrevendo no meu velho iPad o que me vinha à cabeça e percebendo a coisa como a melhor terapia que já fiz, revivendo bons e maus momentos com distanciamento e humor", diz Rita à Folha, por e-mail.

Uma certa jocosidade aparece mesmo quando narra incidentes como o estupro que sofreu na infância, com uma chave de fenda, cometido por um técnico de máquina de costura.

"Foi um momento tenso na autoterapia, era algo que escondia de mim mesma", diz ela à reportagem.

"Quando escrevi como o fato ficou impresso na minha memória, o trauma meio que desencantou por si só, perdeu importância, a ferida foi curada. Apesar de ter sido uma, não me enquadro no papel de vítima."

Rita também não posa de coitada quando narra episódios em que se considerou injustiçada, como ao ser expulsa das duas bandas que ajudou a fundar e a brilhar, Os Mutantes e Tutti Frutti.

Atribui os casos ao machismo dominante no rock e atira nos que considera responsáveis: os irmãos Sergio Dias e Arnaldo Baptista, no primeiro caso, e o guitarrista Luis Sérgio Carlini (o Rato), no segundo.


VIDA ROCK N' ROLL

Com cinco décadas de carreira para relembrar, "Rita Lee - Uma Autobiografia" traz memórias de momentos históricos –como as participações dos Mutantes nos festivais dos anos 60–, e impressões sobre discos e turnês.

Há também histórias divertidas de encontros com estrelas nacionais (como Raul Seixas, Tim Maia e Elis Regina) e internacionais, como David Bowie (que ela chama de "deus") e Alice Cooper, de quem roubou as jiboias para evitar que fossem maltratadas durante o show.

A narrativa tem a forma e o ritmo de um bate-papo. Há uma certa cronologia –a infância com a família 'sui generis', a adolescência musical, a fase das bandas, a carreira solo etc.–, mas ela volta e meia é interrompida por digressões e reminiscências.

As experiências com drogas são narradas em detalhes. Conta dos vexames que deu por causa delas, ameaçando se matar e cancelando temporada do show "Fruto Proibido" no Rio, entrando no palco "já babando, muitas vezes nocauteada antes do bis" e estragando shows como o do Rock in Rio 85.

"Não faço a Madalena arrependida com discursinho antidrogas, não me culpo por ter entrado em muitas, eu me orgulho de ter saído de todas", escreve a autora. "Reconheço que minhas melhores músicas foram compostas em estado alterado, as piores também."

A reportagem questiona que balanço ela faz, diante disso. "Resumindo: drogas químicas são demoníacas e cannabis é uma planta sagrada", responde.
O mesmo espírito detonador com que fustiga adversários ela usa quando fala de si como pessoa e como artista. Afirmando ter uma "voz fraquinha e meio desafinada", diz que não consegue ouvir nenhum de seus discos.

Mas se Rita é a maior crítica de si mesma, também deixa claro que não lida bem com os críticos da imprensa.

"Adoravam me crucificar, não importava o que eu fazia ou deixava de fazer, um ranço que durou por todos os meus 50 anos de estrada", escreve ela.
A mídia também é criticada por não tê-la ouvido na última de suas polêmicas, a prisão após o que seria seu show de despedida (ela fez mais um), em Aracaju, em 2012.

A cantora afirmou ter visto integrantes de seu fã-clube sendo agredidos por policiais durante a apresentação e os xingou. Foi detida por "desacato e apologia ao crime ou ao criminoso".

Questionada agora, por e-mail, sobre qual seria sua versão para o incidente, Rita não responde. Diz apenas que fez questão de escrever seu "lado da história" e "deixar riscado até que o processo que ainda corre por lá prescreva".

No livro, tal trecho aparece no capítulo "Adendo Aracaju": 40 linhas riscadas.
Sobre seus planos futuros, Rita confirma a aposentadoria dos shows ("Palco, nem pensar"), mas diz que continua "fazendo música, escrevendo letras e gravando demos caseiras".

"Ser dona de casa está sendo uma aventura nunca d'antes navegada e também estou pensando em escrever uma ficção. Fora o resto." 

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