Almanaqueiras: ou não queiras.

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segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Meu sonho é escrever uma história dessas, que eu possa dizer: "Isso parece história do Manuelzinho".

Fui a criança mais sortuda do mundo por causa do Manuelzinho

Gregorio Duvivier


Resultado de imagem para Tom Sawyer,

Quando era pequeno, meus pais sempre contavam histórias pra gente dormir. Minha mãe fazia isso como ninguém. Demorava poucos segundos. Você que tem insônia: vou pedir pra minha mãe te gravar um podcast de histórias. É melhor que Frontal. Toda história começava com enumerações intermináveis e longas pausas. "O coelho Epaminondas plantava batatas (pausa) cenouras (pausa) alfaces (pausa) rabanetes." Não me lembro o que ele fazia depois de plantar tudo isso porque a essa altura já tínhamos dormido. E talvez minha mãe também.

Seu concorrente no ramo, meu pai, contava as histórias de outro coelho, o Manuelzinho (agora que percebi: os coelhos estão para a minha família como os ratos estão para a Disney). Manuelzinho não plantava nem fazia nada que prestasse: matava aulas, odiava cenouras, mentia, roubava. Não preciso dizer que gostávamos muito mais do Manuelzinho (desculpa essa revelação tardia, mãe).

Às vezes tínhamos que ir dormir e a história só continuaria no dia seguinte. Passávamos o dia esperando por ela. "Não posso dormir na sua casa", dizia pros amigos, "porque tenho que saber o que vai acontecer com Manuelzinho", e eles me achavam muito sortudo de ter uma série só pra mim.

Num episódio clássico, obrigam Manuelzinho a pintar um muro (que ele pichou) de branco. Quando vê passar seu amigo, começa a falar consigo mesmo. "Como sou sortudo! Minha mãe me deixou pintar esse muro sozinho!" O amigo, com inveja, pede pra pintar também. "Tá maluco? Este é o melhor momento da minha vida." Ao fim da história, o amigo paga uma grana pra pintar o muro, enquanto Manuelzinho chupa picolés. Mais tarde, quando li a mesma história em Tom Sawyer, gritei, furioso: "Essa ideia é do Manuelzinho!", certo de que Mark Twain tinha plagiado meu pai.

Numa corrida de skate, o arqui-inimigo de Manuelzinho põe lâminas no próprio skate pra furar a roda do rival -mas acaba ferindo a si mesmo. Quando assisti à corrida de bigas de Ben-Hur, tive a mesma certeza: "Roubaram essa cena do Manuelzinho!"

Até perceber o óbvio: as histórias de Manuelzinho eram reedições dos livros, filmes e gibis preferidos do meu pai. Manuelzinho tinha sido Ben-Hur, Tom Sawyer, Michel Strogoff, El Cid, Bolinha, Dom Quixote, Lucky Luke. Minha maior alegria é encontrar Manuelzinho por aí. Toda história boa que encontro ele tá lá, escondido. Meu sonho é escrever uma história dessas, que eu possa dizer: "Isso parece história do Manuelzinho".

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