Almanaqueiras: ou não queiras.

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domingo, 6 de novembro de 2016

Gente amarga mergulhada no passado

    Mara Telles

Vou contar uma historinha antes de pular na cama. Começa assim: há alguns vinte anos atrás, todo sociólogo que se prezasse usava bolsa pochete. Era um estereótipo: muito barbudo, só falava de política e queria transformar o mundo. Aí, o tempo passou e esta caricatura mudou. Os sociólogos finalmente descobriram que a pochete estava fora de moda, que podiam tirar as batas e, ao invés de falarem somente em Política e Revolução, poderiam continuar a fazer política, mas também discutir filmes de Hollywood, gozar o sexo e se inebriarem de pinturas e de vinhos. 



Descobriram que para além dos escombros da Democracia, havia mais vida e que tudo não se resumia a luto e luta. Havia tempo até para ir para a praia, ver a chuva e gozar a vida. Com algum talento, poderiam até pintar quadros, visitar as obras de Gauguin e ouvir Wesley Safadão. Os tempos estavam melhores, mesmo sem ter explodido a revolução. E a vida parecia mais simples. Aí veio uma crise política, veio este raio de crise econômica, veio de novo uma elite cafona. E aí os sociólogos, politólogos e antropólogos terão que novamente se dedicar única e exclusivamente a falar da Política e das Mudanças, das Revoluções e das necessidades de transformações. O mundo vai ficar mais feio, eles se cuidarão menos, darão menos atenção aos Picassos e ao por-do-sol - porque não há mais luz para iluminar as sombras. Quando os sociólogos, politólogos e antropólogos decidem abandonar a si mesmos, quando escolhem se afastar de sua vida privada, quando elegem ficar "mal vestidos e mal cuidados", mais sujos e mais malvados, quando deixam de ouvir Funk e não tem mais tempo para os amigos e para o por-do-sol e passam a investir sobretudo e principalmente em sua vida pública, alerta! É por que há alguma coisa muito errada no país e na esfera pública. Assim, parece que voltaremos a usar pochetes, Gauguin voltará a ser apenas um quadro alegre na parede de um país triste e a simplicidade será enterrada, porque tudo se tornou de novo complexo. Quem entendeu, entendeu. Quem não entendeu, azar o seu! 

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