Tenho 62 anos, sou jornalista desde os 17 anos - ou seja, comecei minha carreira nos tempos do regime militar.
Gilberto Dimenstein
Com base nessa experiência, posso dizer sem medo de exagerar: nunca vi tantos ataques e tanta intimidação à imprensa. Nem no tempo dos militares.
Nos tempos do regime militar, havia censores. Mas eram um punhado, localizados, visíveis. Tinham rosto.
Há uma diferença entre discordar de opiniões e reportagens - o que é legítimo - e tentar intimidar quem escreve, usando os mais variados recursos digitais.
As milícias digitais impulsionadas por Jair Bolsonaro tentam reproduzir a censura via intimidação, usando linchamento nas redes e expondo a intimidade de suas vítimas através de hackers. Graças ao conhecimento de truques digitais, conseguem disseminar milhões de mensagens de ódio.
Apenas nesses últimos dias, tentaram tirar do ar a página "Mulheres Unidas contra Bolsonaro", agora com mais de 3 milhões de seguidoras, e o site do movimento #DemocraciaSim, agora 400 mil assinaturas. Conseguiram mobilizar mais de um milhão de perfis contra o vídeo de artistas convocando para a manifestação de mulheres no próximo sábado.
Reproduzo aqui trecho de um artigo da jornalista Daniela Lima, da Folha, que participou da entrevista com Jair Bolsonaro no "Roda Viva", da TV Cultura.
"Peço desculpas aos leitores que defendem a moral, os bons costumes e os valores da família, mas o que reproduzo abaixo foi expresso por quem diz pregar ideias parecidas.
“Vagabunda”, “filha da puta”, “piranha”, “mentirosa”, “bandida”, “jumenta”, “você é do tipo que merece receber menos do que os homens”, “você merece morrer”. Foi em julho. Não parou mais.
Neste mês, gravei um programa na internet sobre pesquisas. “Essa repórter é filha do cão. Petralha imunda. Nordeste, sai do Brasil!”. Outro: “Essa boca só serve para mamar mesmo”.
Na terça (25), os repórteres Rubens Valente e Marina Dias, da Folha, revelaram documento do Itamaraty que registra que, em 2011, uma ex-mulher de Bolsonaro disse ao órgão que havia fugido do país sob ameaça de morte. Hoje ela nega —a negativa já constava da reportagem antes de ela produzir vídeo contra o que chama de “mídia suja”.
Os dois repórteres foram alvo de um levante. Parte dos bolsonaristas errou a mira e atacou uma homônima de Marina. Um amigo foi às redes dizer que haviam pego a pessoa errada para Cristo. Em vão. “Olhem a cara dessa vagabunda. Putas de rua têm mais decência do que essa cadela.”
Jornalistas da TV Globo, de O Globo, do Estadão, de blogs, sites de checagem... Todos estão com as redes cheias dessas mensagens. O motim é contra a imprensa livre, crítica e profissional. Reportagem com documento oficial, três fontes e outro lado não presta. Vídeo de youtuber com teoria da conspiração sem qualquer prova? Esse vale".
Daí a ter estímulos à agressão física e propostas de controle da mídia - uma ideias, aliás, ventilada pelo PT - é apenas um pulo.
O que me espanta é que, até agora, Bolsonaro, que se diz convertido a liberal, nunca ter condenado essas atitudes das milícias digitais.
Impossível deixar de especular: se esse linchamento já ocorre hoje, imagine se essas milícias tiverem nas mãos o aparelho estatal.
Senti com ainda mais intensidade o linchamento quando a Catraca Livre optou, há três meses, por não ser isenta nestas eleições. Lançamos o #BolsonaroNão, optando por um "não-candidato" justamente por temer que o deputado no poder trazia risco à democracia. Achamos que não tinham o direito de ficar isentos diante de um político que defende a tortura, a ditadura, ataca gays e mulheres, além de pregar a violência.
Quanto mais ataques, mentiras e linchamentos sofremos, mais me sinto convencido de que acertamos em não ser isentos. É melhor apanhar em nome da liberdade do que ficar calado covardemente diante das ameaças ao maior patrimônio da civilidade: a democracia.
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