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quinta-feira, 6 de setembro de 2018

A hora do pânico eleitoral e o dólar

Por ora, não há sinal de tumulto como na eleição de 2002, mas há risco de incêndio

Vinicius Torres Freire


O acaso, o Sobrenatural de Almeida e a lei de Murphy castigam quem é dado a previsões e otimistas incautos.

Quem se arrisca a dizer que não há pânico financeiro motivado pela eleição destrambelhada pode passar vexame horas depois de fazer tal afirmação cândida.

Basta a publicação de uma pesquisa com resultados que atravessem a garganta dos donos do dinheiro grosso (ou nem isso) para haver sururu.

Ou não?

A memória brasileira de pânico financeiro eleitoral é a da primeira eleição de Lula da Silva (PT) em 2002. A medida mais "pop" da tensão é o preço do dólar, embora a taxa de câmbio no curto prazo dependa do comportamento de um saco de gatos, muitos fatores, em particular do gato gordo da economia internacional. O problema nem de longe é só na política.

Isto posto, como anda o preço do dólar, comparado às suas idas e vindas nas eleições desde 1998?

Em 1998, 2006, 2010 e 2014, a taxa de câmbio mal se moveu, seja a comparação feita com o dólar de um ano antes, de janeiro do ano da eleição ou de abril, quando há um quadro mais claro das pré-candidaturas. Neste aspecto, 2018 outra vez se presta a uma analogia com 2002.

Em 2002, o dólar ficou 37% mais caro entre o começo de setembro e o de abril; em 2018, 25%. Em relação a um ano antes, 34% em 2002; 28% neste 2018. Mas o dólar de agosto de 2002 andava pela casa do equivalente hoje a uns R$ 6. Por ora, estamos perto dos R$ 4.

Quais as diferenças em relação a 2002?

No pânico da eleição de Lula 1, que pegou fogo mesmo ao longo de setembro, havia fuga de capital. Agora, mesmo nesta crise rara, entra dinheiro para cobrir o déficit externo com sobras.

A dívida externa (em proporção do PIB) era então o triplo da registrada agora. As reservas internacionais (como parcela do PIB) eram menos da metade. Parte relevante da dívida pública era dolarizada. A desvalorização do real elevava muito o risco de calote externo (por isso o país vivia no FMI).

Mesmo o crédito do governo tendo sido classificado como abaixo da crítica em termos de segurança (perdeu o grau de investimento), o risco do país ainda está em nível historicamente baixo.

A baixa taxa de juros básica contribui para parte da desvalorização do real de agora. Mas, lá em torno do ano 2000, o país precisava de taxa de três a sete vezes maior a fim de evitar fuga de dinheiro e desvalorização. Por quê?

Em parte, porque desvalorizações descabeladas também são motivadas por descontrole das expectativas de inflação. Quanto maior a crença de inflação crescente, maior a possibilidade de alta do dólar. A inflação esperada está na meta até 2021. Por enquanto, ao menos.

É daí que podem vir os problemas, do outro lado da meia-noite dos nossos dramas financeiros, o doméstico. As expectativas em geral, não apenas de inflação, podem ir para o vinagre caso se confirme a perspectiva de descontrole da dívida pública. Isto é, de que não haverá controle do déficit.

Caso prevaleça a crença em um futuro imediato de baixo crescimento e dívida pública engordando, o dólar pode desembestar, pode minguar a entrada de capital. Os juros tenderiam a subir, o que elevaria ainda mais a dívida pública etc.

Não há sinal desse pânico, até o início da noite desta quarta-feira, quando são escritas essas linhas. Mas todo candidato a presidente tem de pensar no assunto desde já, se quiser assumir um governo minimamente viável.

vinicius.torres@grupofolha.com.br

Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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