Almanaqueiras: ou não queiras.

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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

o coração precisa se mexer: "oi, tum, tum, bate coração"

 Insuficiência cardíaca agora se trata com exercício
Atividades físicas se firmam como indicação médica por diminuir o trabalho do coração
  
POR ANA LUCIA AZEVEDO - O Globo


Após um infarto severo, há dois anos, o protético Gerd Werner, de 57 anos, teve como sequela uma insuficiência cardíaca. Hoje, ele não dispensa a atividade física regular: “Desde 2014 ela se tornou parte da minha vida” - Custódio Coimbra


RIO — Eis um novo remédio com o poder de tratar a doença que é a principal causa de internação e morte por males cardiovasculares no Brasil. Revolucionário ao ponto de derrubar paradigmas da medicina. Assim é o exercício, que se firma como uma forma de tratamento importante para a insuficiência cardíaca.

A atividade física está na essência da Humanidade, mas só agora começa a ter seu valor e mecanismos de ação reconhecidos. Nesta primeira reportagem da série “Cura pelo exercício”, sua força como tratamento da insuficiência cardíaca é apresentada como emblemática, se for levado em conta o fato de que intolerância ao esforço é justamente uma das principais características da síndrome, na qual o coração enfraquecido não bombeia sangue suficiente. Até há pouco tempo se achava que esses pacientes deveriam se manter em repouso. Agora, a indicação é se mexer.

Trabalhos pioneiros sobre a compreensão da ação terapêutica da atividade física na insuficiência cardíaca têm sido realizados pelo programa liderado por Carlos Eduardo Negrão, diretor da Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia do Exercício do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Ele está à frente de cinco grupos multidisciplinares que reúnem médicos, educadores físicos, biólogos moleculares e psicólogos e acompanhou 140 pacientes.

Mês passado, Negrão atraiu uma multidão de pesquisadores, educadores físicos, médicos e estudantes para um auditório na Faculdade de Medicina da USP. Todos queriam assistir a sua conferência intitulada “Novos paradigmas do exercício físico no tratamento da doença cardiovascular: conhecimentos do laboratório aplicados ao paciente”, um dos destaques da reunião anual da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), um dos maiores eventos de ciência no Brasil.

MENOS TRABALHO PARA O CORAÇÃO

Há cerca de 20 anos Negrão busca compreender como a atividade física atua sobre o ser humano, da célula ao indivíduo. Suas investigações oferecem muitas dessas respostas, com mais de cem estudos em algumas das principais revistas científicas internacionais.

— O exercício modula a ação de proteínas musculares ligadas à regulação da atividade nervosa simpática no sistema nervoso central e do estreitamento dos vasos sanguíneos. Com isso, diminui o trabalho do coração — explica Negrão, um corredor e fã de atividade física.

O efeito é tão intenso, que mesmo pacientes graves respondem à simples estimulação elétrica dos músculos.

— Melhorar o estado de um paciente com insuficiência cardíaca é fantástico. O exercício melhora a qualidade e possivelmente a expectativa de vida de uma pessoa — destaca o professor.

A pesquisadora Ligia Antunes Correa, do grupo de Negrão, já viu muitos pacientes mudarem de vida para melhor depois de um programa de treinamento.


Exercícios salvam vidas, segundo especialistas em insuficiência cardíaca - Custódio Coimbra
— O exercício é mais que bem-estar. É um remédio — afirma ela.

O fisiologista Igor Lucas Gomes-Santos, do mesmo grupo, estuda o que acontece dentro das células. Ele explica que os exercícios reduzem muito a ação de uma proteína chamada angiotensina II e do sistema nervoso simpático, ambos ligados à insuficiência cardíaca. Também consegue reduzir a caquexia, a perda de massa muscular frequente nesses pacientes e que pode levar à morte.

— Observamos alterações positivas nas vias moleculares desses pacientes. O mesmo acontece com a normalização da atividade nervosa simpática, ligada ao controle da pressão. Após a primeira sessão de treinamento, já vemos melhora na circulação — frisa Gomes-Santos.

O professor de cardiologia da UFF e médico do Pró-Cardíaco Evandro Tinoco, um dos maiores especialistas do país em insuficiência cardíaca, diz que um programa de exercícios pode ajudar a tirar pacientes da fila do transplante:

— Não há dúvida de que o exercício é um dos remédios mais importantes e um dos menos usados contra a insuficiência cardíaca. É uma revolução.

Segundo Tinoco, o exercício só não é mais prescrito pelos médicos porque o conhecimento sólido sobre sua ação terapêutica é relativamente recente e pouco divulgado. Outro fator é o custo alto e não coberto pelos planos de saúde. Mas ele acredita que esse cenário rapidamente mudará.

O caso da insuficiência cardíaca é apenas um no numeroso rol de doenças que podem ter o exercício prescrito como tratamento. A lista inclui de diabetes à hipertensão e passa por disfunção erétil, aneurisma, acidente vascular cerebral, complicações renais e preparação para grandes cirurgias, destaca o diretor científico da Sociedade de Medicina do Exercício e do Esporte do Rio de Janeiro e fundador da clínica especializada Clinimex, Claudio Gil Araújo, ele próprio um corredor dedicado e que assina editorial ainda inédito que enumera dezenas de doenças que podem ser tratadas com exercícios.

SEM EFEITOS COLATERAIS

Na família ninguém é cardíaco, tampouco ele sentia qualquer sinal que lhe parecesse indicar problemas no coração. Nunca fumou. Por isso, o protético Gerd Werner, de 57 anos, jamais esperou sofrer um infarto severo, como o que lhe acometeu há dois anos e mudou sua vida de forma radical. Werner teve como sequela uma insuficiência cardíaca. Hoje, ele é um dos pacientes que se tratam com Claudio Gil Araujo, numa clínica que mais parece uma academia, em Copacabana.

— Não fazia atividade física regular. Mas desde 2014 ela se tornou parte da minha vida. Venho três vezes por semana. No início, era como um remédio. Agora virou hábito. E por toda a vida — conta.

Numa esteira próxima a Werner, a médica Angela Verri conversa animada com amigos, brinca com todo mundo. De segunda a sexta-feira, ela vai todo fim de tarde da Tijuca para Copacabana. Não está ali como médica, mas paciente. Angela se orgulha de não aparentar os 63 anos de idade e mais ainda da ausência de sinais dos problemas que a levaram a se transformar de sedentária praticante — “era do tipo que pega o carro para ir à padaria” — em atleta amadora militante:

— Corro e me divirto muito. E ainda tomo o meu vinho — afirma ela.

Uma sucessão de problemas graves a fizeram mudar de vida. Em março de 2012 sofreu um infarto, que a obrigou a colocar um stent. Logo em seguida, descobriu que tinha câncer de intestino. Teve que operar. E a isso se somaram um cateterismo e mais seis stents.

— Eu precisaria fazer uma cirurgia de revascularização, mas não queria me operar de novo. Aí soube que poderia tentar uma reabilitação com exercício. No início não levei a menor fé, achei que ia virar rato de laboratório. Estava errada. Cheguei péssima e agora estou ótima. Levo uma vida saudável. É como um remédio sem efeitos colaterais que tenho que tomar todos os dias — diz.

A mesma animação de Angela demonstra a desembargadora e professora Salete Maria Polita Maccaloz, de 67 anos. Ela começou há pouco a segunda fase de uma quimioterapia para um câncer de pulmão com metástase óssea e já iniciou um programa de exercícios. Sua meta é reverter a perda de massa muscular e poder voltar a jogar golfe.

— Já me sinto melhor. A quimio é muito desgastante, mas estou confiante que com os exercícios vou melhorar mais depressa — conta.

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