ENGRAXATES DE CAJAZEIRAS: ZÉ DE SOUZA, NEINHA E CEGUINHO
Muitos profissionais que hoje exercem várias funções ou que já se aposentaram, um dia na vida já foram engraxate. Eu faço parte deste time. Quando eu era garoto, certa ocasião, fiz uma caixa com material de compensado encontrado no lixo da serraria de seu Zé Rolim, para engraxar os sapatos de meus pais e irmãos. Tempos depois comecei a ganhar uns trocados engraxando os sapatos dos meus vizinhos: seu Bernardo, seu Zé Cartaxo e do maestro seu Esmerindo Cabrinha.
Na cobertura da caixa tinha dois apoios de madeira para colocar os pés em cima, alternadamente. Tinha também uma gaveta onde eu guardava duas latas de graxa nas cores preta e marrom; dois vidros de tinta nas mesmas cores; duas escovas próprias para tirar a poeira do sapato e depois dá o polimento; duas escovinhas para passar tinta (essas escovinhas são aquelas em que as pessoas usam para escovar os dentes); duas flanelas para dá o brilho; quatro proteções de papelão em formato de meia lua, que se colocava entre as meias e os sapatos para não melar de graxa e tinta as meias, quando a pessoa estava calçado neles; entre outras coisinhas.
A tradição remete ao ano de 1806, o nascimento do ofício de engraxate, quando um operário poliu, em sinal de respeito, as botas de um general francês e por isto foi recompensado com uma moeda de ouro.
Em Cajazeiras, os engraxates Zé de Souza, Neinha e Ceguinho, trabalhavam na entrada do Mercado Municipal, que dava acesso a Praça João Pessoa, com suas cadeiras de engraxar bem espaçosas com almofadas bem confortáveis cobertas com emblemas do time do coração de cada um. Detalhe: as três cadeiras ficavam lado a lado. A que ficava próxima a porta do mercado, era a de Zé de Souza, a do meio era a de Neinha e a terceira era a de Ceguinho. Já em frente às cadeiras tinha uma tarimba de miudezas, que pertencia a Assis, um senhor bem alto, alegre e comunicativo, que trabalhava com uma irmã dele.
Muitas pessoas que transitavam por essa entrada do mercado cumprimentavam os engraxates e algumas paravam para um bate papo descontraído onde rolavam assuntos sobre futebol, porque Zé de Souza era vascaíno, Neinha era flamenguista e Ceguinho era botafoguense. Zé de Souza era considerado o Cajazeirense mais apaixonado pelo Vasco. Aliás, ele era tão vascaíno que não aceitava engraxar sapato de flamenguista. Certa ocasião, um rapaz que não morava em Cajazeiras, e não sabia que Zé de Souza era torcedor do Vasco, ao sentar na sua cadeira, estava calçado com sapatos pretos e cadarços vermelhos, nas cores do Flamengo. De imediato ele pediu ao rapaz para sentar na cadeira de Neinha e não quis explicar o porque.
Esses engraxates serviam aos clientes de segunda a sábado nesse local e aos domingos pela manhã eles colocavam as cadeiras em frente a Merendinha de Chicão. Vários Cajazeirenses, principalmente desportistas, se reuniam nesse local para bater papo sobre diversos assuntos, principalmente sobre o que iria rolar nos gramados do Estádio Higino Pires Ferreira nas tardes de domingo.
Lembro que Zé de Souza e Neinha discutiam bastante sobre Vasco e Flamengo. Muitas vezes Zé de Souza contava estórias de Neinha, somente para vê-lo enfezado. Segundo Zé de Souza, certa ocasião, fez um bolão do jogo Brasil e Uruguai, pela Copa do Mundo de 1950, no Maracanã, e Neinha deu o palpite: Brasil 1 ARUGUAI 2. Isso mesmo, falou errado ARUGUAI. Zé de Souza disse que não aceitou o palpite de Neinha, porque, além de falar errado, estava apostando contra o Brasil. Resultado: o Brasil perdeu de 2 a 1 para o Uruguai.
Lembro ainda ter presenciado uma gozação de Zé de Souza contra Ceguinho, onde Ceguinho desfilou num bloco de cangaceiros, num Carnaval da década de 60, a caráter, de Lampião, e de sandália japonesa. Zé de Souza perguntou a Ceguinho quem era mais antigo, se Lampião ou a sandália japonesa.
PEREIRA FILHO
Radialista
Rádio Nacional de Brasília
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