Caracas passa longe daqui
Foi só tocar no surto de pessimismo exagerado que assola boa parte do empresariado tapuia (http:// folha.com/no1394121) para que caísse uma catarata de e-mails com cenas explícitas de alarmismo ainda mais exagerado.
O que mais me surpreendeu foram reiteradas menções à possibilidade de que o Brasil se tornasse uma gigantesca Argentina ou, pior ainda, uma Venezuela.
Nada contra críticas à política econômica (ou a qualquer outra política). São muitas vezes justas e sempre necessárias. Mas crítica tem que ter algum parentesco com a razão, como o faz, por exemplo, Vinicius Torres Freire. Não pode ser feita com o fígado –e a comparação com Venezuela/Argentina é pura bílis ou, pior, terrorismo.
Como monitoro diariamente a conjuntura venezuelana e a argentina, achei, a princípio, que não seria necessário contestar a comparação. Depois, no entanto, veio a desagradável sensação de que terrorismo pode pegar entre os que não têm a obrigação de acompanhar os vizinhos.
Vamos, então, a uns poucos dados que desmontam a comparação.
1 - Inflação. Tanto a Venezuela (56%) como a Argentina (20 e poucos por cento) perderam o controle sobre ela. O Brasil perdeu só o centro da meta. Não é para festejar, mas tampouco é para entrar em pânico.
Pior, no caso argentino: as estatísticas foram desmoralizadas por instituições internacionais, a ponto de o FMI ter adotado o passo inédito de cobrar que elas fossem, digamos, normalizadas. No Brasil, até a revista "The Economist", que acha que a economia está moribunda, acredita nos dados oficiais.
No caso da Venezuela, exatamente pelo descontrole inflacionário (e pelo desabastecimento), o governo decidiu tabelar o lucro, delírio que não cabe no capitalismo. Isso sim é intervencionismo, não as medidas que o governo Dilma tem tomado.
2 - Câmbio - Nos dois países, vigoram um câmbio oficial e um paralelo, que é, na Argentina, quase o dobro do oficial, e, na Venezuela, umas dez vezes maior.
O Brasil já teve um duplo câmbio, mas faz tanto tempo que pouca gente ainda lembra. Não está no horizonte no Brasil uma distorção como essa, que sempre acaba mal, como aprendemos até que o Plano Real estabilizasse a economia.
Não vale nem a pena entrar a falar dos aspectos políticos e institucionais, tão diferentes são o chavismo, o kirchnerismo e o lulismo/dilmismo. Basta lembrar que os dois primeiros buscam permanentemente o confronto, como forma de afirmação, ao passo que o lulismo e o dilmismo buscam a acomodação (para o meu gosto, até excessiva).
A economia brasileira pode ou até tende, segundo os críticos razoáveis, à mediocridade, mas não ao dramatismo que acompanha a Venezuela, principalmente, e a Argentina.
Logo, quem espera que o pessimismo derrube a candidatura Dilma fique sabendo que, enquanto houver pleno emprego e aumento da renda, é uma esperança vã.
A menos que algum candidato descubra um sonho a oferecer às ruas que cobram mudanças, mas não se comoveram com as críticas dos oposicionistas.
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa de "Mundo" e às sextas no site.
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