O bispo que
nunca traiu os pobres
Francisco Frassales Cartaxo
Dom José Rodrigues de Souza morreu
Goiânia no dia 9 deste mês, aos 86 anos, vítima de pneumonia contraída em
hospital onde foi internado para tratamento de hidrocefalia. Nascido em Paraíba
do Sul (RJ), assumiu em 1975 a diocese baiana de Juazeiro, sua primeira e única
diocese. Ali permaneceu até 2003, desenvolvendo intensa e profícua atividade
pastoral ao lado do povo humilde, sobretudo dos trabalhadores rurais e de
minorias urbanas discriminadas. Nem sempre foi compreendido, em particular,
pelos donos do poder. Jamais abriu mão de seus princípios e convicções. Não se
curvou ante os poderosos. Antônio Carlos Magalhães, mesmo quando no auge de seu
prestígio político, foi capaz de amedrontá-lo.
Baixinho, simples, corajoso, ativo no trabalho
como pastor da Igreja Católica, dom José Rodrigues usou muito bem instrumentos
de comunicação a seu alcance para desenvolver sua missão. Criou e manteve
durante muitos anos o boletim informativo “Caminhar Juntos”, falava aos
diocesanos por intermédio da Emissora Rural – A Voz do São Francisco, de
Petrolina (programa “Semeando a verdade”), e da Rádio Educadora de Juazeiro. Em
tempo de eleição, a equipe diocesana utilizava, entre outros meios, cartilha de
orientação para ensinar o povo a votar bem. Com isso, desafiava os chefes
políticos do sertão do São Francisco, região marcada pelo mando dos coronéis,
com firme tradição de violência na luta pelo poder local, como registra a
história do século 20.
Ao saber de sua morte, recordei demoradas
conversas que tivemos em 1984, quando fui a Juazeiro realizar pesquisa para
elaborar estudo, cujo ponto de partida era a pergunta: Por que a Igreja não
transforma em votos seu imenso prestígio junto ao povo? Essa hipótese de
investigação intelectual nasceu quando, ao escrever o livro “Política nos
Currais”, eu pude constatar, empiricamente, a enorme falta de sintonia
entre a popularidade da Igreja e os resultados eleitorais. Escolhi então a
diocese de Juazeiro para começar a testar algumas hipóteses formuladas. E de
fato, Helena e eu começamos a desenvolver o projeto. A entrevista com dom José
ocorreu no dia 04 de abril de 1984.
Passados 28 anos, releio com emoção, o roteiro
da pesquisa, as anotações daquele encontro fundamental, todas registradas num
caderno amarelecido, guardado em meus arquivos de papéis velhos. Junto estão
dezenas de exemplares do “Caminhar Juntos”, de folhetos e recortes de
jornais que dom José me deu ou me enviou nos meses seguintes. Naquele caderno
encontrei um bilhete de dom José dirigido a um seu diocesano de Sobradinho
nestes termos:
“Apresento-lhe o casal Cartaxo Rolim e
Helena que escolheram a Diocese de Juazeiro para campo de pesquisa sobre
eleições. Já escreveram um livro sobre isso. É gente de confiança! Um abraço de
D. José”.
Por desventura, o estudo não foi concluído.
Dois meses depois da visita a dom José, Helena teve diagnosticado, com brutal
atraso, um câncer no pâncreas que a consumiu antes do fim de 1984. O impacto da
viuvez repentina alterou o curso de minha vida e o projeto do livro ficou
arquivado. Agora, recordo dom José Rodrigues diante do seu voo para o céu. Deus
a seu lado sabe que a frase “Nunca trai os pobres”, por ele pronunciada,
ao despedir-se da diocese de Juazeiro, é a mais pura verdade. Um legado da sua
vida.
Frassales Cartaxo - é cajazeirense, escritor e filho do saudoso poeta Cristiano Cartaxo.
fonte - 7CandeeirosCajá
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