Almanaqueiras: ou não queiras.

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segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A FARINHADA DO SÍTIO RITA EM MONTE HOREB


Na década de 60, quando eu era garoto, juntamente com meus irmãos, todos os anos passávamos as férias escolares no Sítio Rita, município de Monte Horebe, Paraíba, há 47 km de Cajazeiras. Esse sítio era do meu avô João Martins de Oliveira (Padim João), pai de minha mãe, dona Bia. Além das brincadeiras que inventávamos, ajudávamos também nos afazeres domésticos e na plantação da roça. Lá tinha uma Casa de Farinha e na época da farinhada, tudo era maravilhoso, porque nós também ajudávamos nessa atividade.


Para fazer uma farinhada, tudo começa na roça com o plantio da mandioca que sempre ocorre durante o período chuvoso, que na Paraíba decorre entre os meses de janeiro a maio. A colheita só acontece no verão do ano seguinte. Esse tempo é suficiente para que a raiz mature no solo e adquira qualidade.

Após o colhimento da mandioca, na roça, ela é transportada até a Casa de Farinha, em dois caçuás (cestos grandes de cipó), que ficam nas laterais dos burros. Lembro-me de alguns trabalhadores nessa tarefa, como tio Luiz e Timóteo, que colhiam na roça. Zé Cabôco transportava a mandioca nos burros.

Chegando na Casa de Farinha, os caçuás são retirados dos lombos dos burros e a mandioca colocada no chão. A partir desse momento, as mulheres (as raspadeiras), se sentam no chão em torno da ruma de mandioca, colocam um saco de estopa sobre as pernas e começam a raspagem dos tubérculos, que é feita manualmente com o auxílio do trinchete (pequena faca afiada). Cito algumas delas: Lourdes, Mozinha, Odete, Salvina, Rosalva, tia Badina e tia Dóda. As raspadeiras, na proporção que iam trabalhando, elas contavam estórias “de trancoso” e às vezes cantavam baixinho para se distraírem. As cascas da mandioca que sobravam da raspagem, se transformavam em “crueira”, e ao final da farinhada, eram colocadas no lajeiro para secar e virar alimentos para a criação de porcos, cabras e galinhas.

Após o processo de raspagem, a mandioca era colocada em cima da bancada do cevador. O cevador era Zé de Souza. A mandioca era cevada (ralada) através de uma bola (cilindro de madeira com fitas de aço dentadas) onde se tritura a mandioca e transforma em massa. A massa caía dentro de um tanque quadrado de alvenaria. A cinco metros da bancada do cevador, ficava uma roda de madeira bem grande, presa a um pedestal tipo quadripé, sobre dois mancás e duas manivelas tipo braço, onde dois homens (Antônio Zômi e Zoca Nestor) usando a força de seus braços, um de cada lado, faziam a roda girar sendo puxada por uma corda de couro até a bola do cevador.

Após esse processo, a massa era colocada numa prensa (estrutura de madeira muito forte, composta de quatro laterais) com profundidade de mais ou menos dois metros de altura. Na proporção que a massa era colocada dentro da prensa, era forrada com palhas de côco e sendo prensada. O prenseiro era João Alves. Embaixo da prensa ficava uma gameleira para apanhar a manipueira, que jorrava e era extraída a goma, fécula muito branca, retirada da mandioca e da qual se faz o polvilho. Parte dessa massa era lavada em uma rede pequena, dentro de um pequeno tanque de alvenaria e a água que caia da rede, formava a goma, que depois era levada para o lajeiro, onde ficava secando. Tia Santina e tia Zefa eram as lavadeiras dessa massa.

A massa depois de secada na prensa era colocada no forno, que era uma grande circunferência de aproximadamente quatro metros de diâmetro, por um metro de altura, construído de tijolos e forrado com lajotas. No fundo desse forno tinha uma entrada que se chamava “boca do forno”, por onde se colocava a lenha e acendia o fogo para produzir calor e aquecer o mesmo. O forneiro era Zé de Biró. Após duas horas que acendia o forno jogava-se a massa em cima dele e com um rodo grande com um cabo de três metros, e no movimento “pra lá e pra cá”, até o pó ficar fininho, bem sequinho e assim ser retirado do forno. Tinha que mexer rápido, para a farinha não engrossar. Depois medido em uma cuia feita de madeira maciça, era colocada a farinha num tanque de alvenaria, que ficava ao lado do forno, e depois de encher o tanque com a farinha, ela era toda ensacada.

Aproveitando a alta temperatura do forno, tia Zefa preparava a massa, com sal, para assar o “beiju de forno”. Ao colocar a massa num canto sob o forno, ela espalhava com uma paleta feita do talo da folha de côco e em pouco minutos, as bordas do beiju davam sinais que já podia virar para assar a parte de cima. Cuidadosamente, ela virava o beiju e ao ficar assado esse lado enrolava como se faz a um rocambole. O beiju já pronto, a partir daí era só colocar o café nas canecas e saboreá-lo.

Após a farinha ser ensacada, parte dela seria para o consumo da família de Padim João e a outra parte se destinava para ser vendida na feira de Cajazeiras. O transporte da farinha até Cajazeiras era feito no caminhão-mixto de João Nestor.

Uma farinhada requer muita luta, porque envolve as pessoas da família que ficam na casa do dono da farinhada, para fazerem o café, o almoço e jantar para os trabalhadores, tanto da roça como da Casa de Farinha.

 
PEREIRA FILHO

Radialista

Rádio Nacional de Brasília

jfilho@ebc.com.

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