Almanaqueiras: ou não queiras.

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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Igreja, cemitério e cabaré - Frassales (com muita competência ) volta ao assunto - Locadora de Mulher.



Igreja, cemitério e cabaré
Francisco Frassales Cartaxo

A celeuma em torno da desastrada tentativa de instalar uma “locadora de mulher” em Cajazeiras, perto do cemitério, me fez lembrar costumes de meados do século 20. Sem motel, celular e internet para facilitar encontros, sem as cenas de intimidades entre casais mostradas na tevê, sem a liberalidade ampla, geral e irrestrita a banalizar relações homo e heterossexuais de agora, sem nada disso, a oferta de serviços sexuais se concentrava na zona Sul da cidade: o cabaré. Ali se dava a iniciação sexual da maioria dos rapazes, em paralelo às relações adultas. E adúlteras. Às claras, ou sob disfarces, vetustos senhores de terno e gravata desfilavam no cabaré, despidos de cerimônia.

O meretrício ficava perto do cemitério e do Grupo Escolar Dom Moisés Coelho. Essa vizinhança reforçava as campanhas que, vez por outra, a Igreja comandava ou inspirava. Nenhuma, porém, tinha a finalidade de extinguir a zona. Tal insensatez nunca foi buscada. O objetivo dos movimentos de “saneamento moral” era afastar para bem longe das famílias o antro pecaminoso da venda do corpo, verdadeiro atentado aos brios da terra do padre Rolim. Um santo.

De um desses movimentos eu participei. Ainda imberbe, fui arregimentado junto com outros nove alunos do Ginásio Salesiano Padre Rolim, todos militantes da Juventude Estudantil Católica (JEC). Padre Chico Pereira, nosso orientador espiritual, engendrara um plano fantástico, aliás, baseado numa farsa. Um falso caixeiro viajante, Duarte Resende, escreveu carta ao Correio da Paraíba, contendo severas crítica a Cajazeiras por ter o cabaré quase no centro da cidade.

Antes mesmo de sair a carta, Padre Pereira (que a redigira) já a transformara em panfleto, com data do jornal e tudo. Por mero azar, a divulgação da carta não saiu no dia combinado. Que fazer? Alterar à mão todos os exemplares do panfleto. Foi nossa primeira tarefa. A seguinte foi colocá-lo embaixo de portas e janelas de residências. Para isso, o grupo foi dividido em duplas. Cada dupla cobriria uma área da cidade, tarde da noite, de modo que, no dia seguinte Cajazeiras inteira comentaria o texto de um tal de Duarte Resende. Esse era o plano.

Meu parceiro era Nenê Moésia (que Deus o tenha) e nos tocou um trecho da atual Rua Tenente Arsênio. Mas que azar! Mal começado o trabalho clandestino, um morador, pensando tratar-se de ladrão, entreabriu a janela e meteu bala. Então, perna pra que te quero... até a casa de meu pai, o coração aos pulos, uma tremedeira sem fim e incontida vontade de urinar!

E daí? Não foi dessa vez que a Igreja conseguiu seu intento. Naquele começo dos anos de 1950, o prefeito era Otacílio Jurema, cabarezeiro contumaz. Aliás, o mesmo que, segundo Otacílio Dantas Cartaxo, mandou instalar uma “locadora de mulheres”, (sem a pompa da de Carla Simone, é claro), sob a justificativa de que uma cidade não vive “sem igreja, cemitério e cabaré”.

Na mesma década, houve nova investida, registrada no jornal da diocese, Correio do Sertão, de março de 1956. Sob o título “Repressão ao meretrício”, ali se diz que o prefeito Antônio Cartaxo Rolim “está vivamente interessado em resolver o problema do afastamento do meretrício que constitui uma nódoa moral para as roupagens nobres dos foros de civilização.” E ficou nisso.

P S – Guardo com carinho o panfleto. Trabalho clandestino a gente nunca esquece...

(cópia do Blog Sete Candeeiros do Cajá - Dirceu Marques )

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