Almanaqueiras: ou não queiras.

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sábado, 5 de março de 2011

Walquides e Valéria

Sinto-os como se ainda estivessem vivos, engatinhando, começando uma história que, ninguém me faz pensar o contrário, tinha apenas começado.

 Walquides era um sujeito educado, finamente educado, um sorriso desse tamanho. Amigo de muitos em Cajazeiras, vivia sorrindo fizesse bom ou mau tempo. Enquanto viveu, parece que não teve tristeza. Trabalhava como um louco, sempre cuidando por ter sua liberdade e independência. Começou quase menino. Em breve se faria jovem empreendedor. Lhe encomendei livros da editora Vozes quando adquiriu a Livraria do Povo, no Calçadão.

Frequentei depois o bar que manteve no início da Rua 13 de Maio. Nos atendia com afeto. Lembro os churrascos, as tevês ligadas em intermináveis partidas de futebol. Caldos, favas e petiscos feitos no calor da camaradagem. E o Walquides sempre atencioso, verdadeiro, bom papo. Às vezes sentava à mesa para uma conversa. Lá no finalzinho do expediente, nos acompanhava na cerveja. Depois tornou-se representante da editora Abril. Era quem levava o entretenimento e a informação das edições da empresa aos lares cajazeirense.

Dra. Valéria Guedes teve seu pesadelo já cedo. Minha cidade sabia os seus problemas. Não era segredo que enfrentava bravamente uma doença difícil para pessoa tão frágil. Jovem médica, cedo se mostrou competente, admirada e querida por conhecidos e desconhecidos. Prestava o serviço do bom medicar. Tive a chance de ser seu paciente. Era o posto onde trabalhou por algum tempo, na Rua Dr. Coelho. Me atendeu com carinho, ouviu-me e receitou o que precisava. Saí de atestado em mãos e satisfeito. Raras vezes vi profissional mais séria.

Seus pais, de boa índole, tinham orgulho da Dra. Valéria. Corujas, fizeram médica a filha que tanto amaram. Com esforço deram a ela o que sempre quis como pessoa, a chance de ajudar o próximo contribuindo com o conhecimento para a cura e o cuidado. O pai, Eduardo Jorge, um cara inteligente, sensível, antenado com o mundo. Conhecido pela descrição e interesse por todos os assuntos. A mãe, Gerusa Macambira, funcionária dedicada ao trabalho - fui sua colega quando professor da UFCG. Dos dois, Valéria herdou a disciplina e a competência para saber. E saber mais e mais. Tornou-se, pois, uma grande médica. Não é à toa que Cajazeiras a teve como uma das melhores profissionais da área pelo trato e o talento.

Pois bem, Valéria e Walquides deixaram Cajazeiras mais tristes. Eram jovens e tinham a vida pela frente. Foram-se na condição inexplicável que faz a existência ser mais incompreensível: sem preparar ninguém para tal, como se fugissem, corressem daqui a ver à distância nosso olhar interrogando o porquê.

Ê loucura! Quem entende um sujeito que sai de casa para jogar bola possa ser vítima de um acidente de carro tão mesquinho! Quem acredita uma jovem médica despedir-se tão cedo se durante a vida ajudaria vidas e vidas!

Foram-se estes, Deus meu, de grande força. Mas o espírito ficou a caminho, assim creio. Ao vê-los tão jovens, tão meninos, fugindo de nosso convívio, de nosso tempo humano, lamento. Juro, sinto-os com se ainda estivessem vivos, engatinhando, começando uma história que, ninguém me faz pensar o contrário, tinha apenas começado

 
Adalberto dos Santos - adalbertodossantos@gmail.com. Foi professor em Cajazeiras e atuou na imprensa da cidade como redator e articulista. Escreveu O PADRE E A RUA , que conta a história do sacerdote Anselmo Duarte Rolim, personagem folclórico da cidade. É colunista do portal Cronicas Cariocas e colaborador do jornal Gazeta do Alto Piranhas



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