Almanaqueiras: ou não queiras.

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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Paraíba II

Em junho de 2007 estive em João Pessoa para participar da formatura de minha sobrinha Emília, que se tornara bibliotecária. Remexendo alguns papéis em gavetas descobri dois textos que escrevi sobre essa viagem, quando cheguei aqui em Brasília. São textos escritos no calor de bohemias, sem eira e nem beira, como os demais que aqui já escrevi, mas mesmo assim resolvi publicá-los mesmo sabendo que estão fora de contexto. Vejam:



Mesmo antes de Pelé e Romário terem conseguido seus milésimos gols Dom Pelé já invadia a grande área da ditadura brasileira e se destacava no cenário nacional dando de bandeja a pelota para os deserdados encherem o pé e fulminar o gol. Todos, Josés e Marias, de pires em mãos recebiam a solidariedade de Dom Pelé.
Estou falando isso simplesmente porque recebi um afago de minha memória que foi buscar em meus arquivos neuroniais adolescente sua imagem. Fui acalorado pelo sol de João Pessoa que me solicita a ingerir o cálice da saudade, não com vinho sagrado, mas com cevada transformada em teor boêmio.
De outro ângulo da mesa do bar vislumbro a penumbra de um Anjo Augusto, esparramando vocabulário escatológico sobre os torrões rachados da última seca do sertão, inspiradora, não apenas das lágrimas da bagaceira, mas do escárnio que ela provoca na alma, na lama humana. O escarro, meu amigo, que vem da boca... Chamei o garçom e pedi uma branquinha pra lavar a ãnima.
Muito da música paraibana, do Brasil também, tem um Zé que deu o norte, que deu muito baile em Cajazeiras-PB sob as luzes de lampião. Próximo ano será o centenário de seu nascimento e Cajazeiras, sua origem, já pensa nos festejos e lampejos. É o Zé que participou do clássico O Cangaceiro, de Lima Barreto, uma das maiores fitas nacionais de sucesso internacional. Ôlê mulé rendêra, eu me ensino a prezar a minha memória pbana e tu, provável leitor, procura te ensinar a tua. Lampião desceu a serra, e tu, amigo regional, descerras a tua e bebes o gás florescente do teu lampião. Tudo bem, na era da internet, penetre o gás néon, as fibras óticas, ou sei lá que circuitos de robóticas.
“Papa rabo!”. Era um menino de engenho gritando prum doidinho que ia passando pela calçada do bar em que eu destilava. Até nas capitais os urbanóides não dispensam um varrido de rua. Zé Lins rega meu copo vazio de etanol e cheio de ternura interiorana. Craque da literatura a bola flamenguista rolava nos gramados do engenhoso Zé Lins. Era um Xiko Buark tricolor.
Abanado pela memória de meus dezessete anos quando li Menino de Engenho vi as canas serem moídas, vertendo o caldo da nostalgia. Em adulto tento soletrar o ciclo canavieiro ou o estruturalismo rural no discurso fílmico de Walter Lima.
No aeroporto Castro Pinto, já de volta a Brasília, de ofício cidade colada à trituração polititica da esplanada, vejo ao longe outro Zé, uma montanha de talento, o Dumont. Quantos e quantos homens Brasil afora viraram suco e eu aqui, dedilhando o balcão da lanchonete, bebendo suco de laranja, ressentido pela ausência de um caldo de cana caiana. Sacanas, aeroporto também é xóping, lojas assépticas globalizadas.
No pátio interno da EPA – Cajazeiras-PB - a gurizada cantava o hino nacional. Ninguém se importava, graças, mas a milicada de plantão dizia que a solução brasileira era exportar para sair de sua dependência. EPA! Escola Pedro Américo, que pintou o Grito de Independência, um clássico que Jaguar, o cartunista, borrou em charge com agudeza histórica contextualizada na esbórnia ipanepasquim. Mas é um paraibano da escola clássica pictórica com pinceladas retóricas.
Referenciei os mestres, mas sei que há, houve, haverão, em outros verões, tantos zés, tantos pedros, tantos joões, marias, antonios, etc. a banhar de talento esse solo na ponta do seixas do mapa nacional.Literatura, música, artes plásticas, teatro, cinema, personalidades... Esse é o quadro paraibano que sou instigado pelo afeto geográfico que emana de uma semana em John Person.
 
Eduardo Pereira

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