O HOMEM DO MELÃO
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“Morreu o homem do Melão”. A frase, repetida por muito tempo, traduzirá o desamparo com que ficaram, de repente, pelo menos quatro famílias irmãs e mais o círculo ampliado de parentes e amigos. Ao mesmo tempo, será a expressão de saudade e de reconhecimento ao velho Matias, o sertanejo forte que dava a impressão de personificar a cordialidade e a bonomia e que, no entanto, surpreendia, às vezes, por uma coragem incomum.
Corre o mês de março de 1923. O “povo” do Melão está retornando da festa de eleições no Umari, a sede do município. Voltam apavorados, falando baixinho que o bando de Sinhô Pereira, o temível cangaceiro do Pajeú, está atravessando da Paraíba para o Ceará e vai descer até o Melão. Alguns já viram os jagunços amoitados no Canto do Feijão. É um aviso. Sabe-se que eles esperam que as pessoas fujam e deixem casas e propriedades livres para o saque e a pilhagem. Com isso, poupam munição.
Os homens do Melão procuram o velho Matias e lhe aconselham que reúna a família e, como outros muitos, se refugie no mato.
- Não. A minha família vai ficar aqui comigo. Eu não acoito cangaceiro nem volante. Mas também não fiz mal a ninguém. Por isso, não tenho por que me afastar do meu lugar. Não os convido, também não impeço que venham. Vamos recebê-los todos juntos, desarmados, como fazemos com qualquer pessoa.
Os bandidos parecem que tomam conhecimento dessa disposição de meu pai. Lá pros lados de Cajazeirinha, sei deles se trancaram num quarto com uma mulher. Após o estupro, a pobre saiu correndo no rumo do Machado de Lavras, e nunca mais teve coragem de retornar ao seio da família. Romualdo Guedes quis se meter a besta com um dos cabras. Os outros chegaram lhe quebraram uma cabaça na cabeça. Vitalina, a velha, perdeu os anéis, os que carregava nos dedos pra começar, arrancados à força, deixando a carne viva. E, meu Deus!, o que foi isso que fizeram ao pobre Ernesto? No meio do terreiro para a mangofa geral, botaram-lhe uma sela e montaram nele, chicoteando-o como a um animal chucro.
São oito ou nove horas da manhã. O grupo desfila pela vereda em frente à casa do Mestre Matias. As mulheres rezam e tremem. Zé Matias, o único filho do primeiro casamento, volta do baixio, com uma espingarda de matar passarinho ao ombro, sem se dar conta do perigo. Do bando que passa, três cabras se afastam e tomam a direção de nossa casa. Vêm armados até os dentes, vestidos numa farda de mescla lustrosa.
Trocam as primeiras palavras com meu pai, que os recebe como impassível, sentado sobre a mesa no meio da sala, a filha Alodias, amparada entre as pernas. Para a surpresa e, mais, para o espanto geral, Mestre Matias reconhece no chefe dos três um homem chamado Ulisses, que, tempos atrás, como tropeiro, havia carregado algodão da bolandeira do Melão.
- Meu Mestre, vim aqui para lhe dar cobertura, enquanto o bando passa. Mexeu no senhor, mexeu em mim...
Mesmo com essas palavras, um dos malfeitores, ao ver o paiol de milho rente ao telhado, solta uma pilhéria:
- Ô vontade comer pipoca!
E o que tem isso de importante? – rebate-lhe Ulisses.
O cabra manobra o file. Ulisses responde com o mesmo gesto. O babra baixa a arma.
E aquele guarda-chuva no corredor?
- Está desmantelado – responde minha mãe.
Ulisses repreende também o outro cangaceiro e recomenda a meu pai que guarde a corona pendurada numa trava de madeira no teto, pois ali está exposta à ambição dos cangaceiros. Outros jagunços poderão ainda passar e ele não estará presente.
Zé Matias aparece. O almocreve dá-lhe um chapéu de massa. O café servido. Ao abrir o bornó para fumar, o cangaceiro presenteia meu pai com duas carteiras de cigarro e se queixa que está levando muito dinheiro em moeda. As moedas pesam. Pode o velho Matias trocar esse dinheiro por cédulas? Cinqüenta mil reis, serve. Meu dá-lhe vinte mil réis em cédulas e recusa as moedas em troca.
O cangaceiro agradece e, com os companheiros, apressa o passo para juntar-se ao bando que já passou.
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