A partir de hoje, uma vez por semana, passamos a publicar capítulos do livro “Do miolo do sertão: A história de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte”.
Com autorização de Claudiomar Rolim, Filho de Chico Rolim, temos a honra de registrar aqui a história desse grande político que deixou seu nome gravado na história de Cajazeiras.
UM NOME SEM ROSTO
Os dias, de tão bons, são todos iguais. Tudo é igual nos horizontes de nossa infância sem limites, tempo claro com cheiro de curral e melaço de engenho. O sítio Olho d’Água do Melão se esconde como um segredo ao pé da serra. Graças a Deus. Lá em cima é que está a estrada que divide o Ceará da Paraíba. Na estrada passam tropas de burros carreando algodão, oiticica, rapadura. Às vezes os burros se espantam e desgarram com o ronco dos primeiros caminhões. Como podem as pessoas na estrada adivinhar que, nessa grota escondida, Deus deixou um pedaço do seu paraíso para os filhos do Mestre Matias?
A meninada vai abrindo os olhos ao mundo, quase cuidando de não crescer, no medo inconsciente de que o paraíso desapareça e o mundo perca o seu encanto.
Aos poucos, é verdade, se alongam os idos de 1913, quando o paraibano Matias Duarte Passos, já viúvo por quatro anos, encontra a jovem Angelina Guedes Rolim – Dosanjo, como passará a ser conhecida – do mais tradicional tronco de Cajazeiras, e com ela constrói a sua segunda família. Uma família que ele vai fazendo crescer com pressa do nordestino. Nesse novembro de 1925, aí já estão Alodias, com onze anos, Maria Virgem, com dez, Stela, com oito, e os meninos Valdemar, com quatro, Francisco, com três, e o caçula, Micena, com menos de dois. E a mulher, grávida de sete meses, está a seu lado para garantir que, com as bênçãos de Deus, terão novo rebento na família entre fevereiro e março de 26.
Esses, os filhos pequenos. Porque D. Dosanjo tem outros “filhos” do primeiro casamento de Matias: Teté, Doiô e Nanã, já se casaram, pois têm quase a mesma idade de Mãe Dosanjo. Em casa estão ainda a Júlia, a mais nova das mulheres, e José Matias, com 21 anos.
A casa não é tão grande, mas está bem plantada no meio do sítio, de paredes meias com a bolandeira e o engenho. À frente, o amplo pátio que termina na porteira do curral. Da calçada alta se avistam o açude e a vazante. O quintal abre para o baixio, por onde o olho d’água se derrama em córrego.
E que mundo de fartura! Além do leite, do queijo e da coalhada, temos a rapadura, a batida e o alfenim, mas a cana de açúcar fácil de descascar o rasgar no dente, depois da colheita no eito e quebrada no joelho. A banana babona será a “marca” de Mãe Dosanjo na memória de filhos e netos. Os mais velhos passam horas e mais horas nos mais altos das goiabeiras, as mais férteis goiabeiras de que se tem notícias. Aos pequenos contam histórias encantadoras: o coqueiro do quintal velho também já não sabe o que faz: em vez de botar coco, está dando quiabo, maxixe, cebola, coentro. De outro, mais pro meio do baixio, se diz que está estragado por causa da saparia que tem ao pé: toda vez que a gente vai abrir um coco para beber a água, salta um caçote de dentro dele.
Esse paraíso infantil tem na pessoa de “Padinho Matias” ou “Meu Mestre”, como é chamado por muitos, aquele que o plantou e que assegura para todos ao redor.
Mestre Matias é um homem moreno, talhado na média estatura sertaneja, franzino e ágil. Os cabelos partem de um ponto definido na testa e se repartem sobre as orelhas, para dar destaque ao brilho dos olhos claros. De nada disso eu me lembro, mas ainda hoje ouço dizer que meu pai era muito querido como professor de todos os que sabiam ler no Melão, além de Juiz de Casamentos, nomeado que foi pelo Presidente do Ceará, Antônio Pinto Nogueira Accioly. Enfim, um homem que inspirava paz e serenidade. Par ele também, junto com a mulher e os filhos, os dias eram todos iguais.
Mas o que foi isso que meu pai viu lá para o Alto da Aroeira? São dez horas da manhã. Matias está em casa para o almoço, conforme é tradição nestes tempos. Levanta-se para sair. Do alto da calçada vê um boi que está comendo a roça. Não tendo por quem chamar naquele momento, corre ele mesmo a tanger o animal. Mas onde está o caminho da saída? E por que, agora ele se sente, de súbito, mais atordoado que o bicho, uma coisa estranha a fisgá-lo próprio dentro? Meu pai volta para casa quase se arrastando. A dor é enorme. Ele se prosta numa rede e clama por socorro. São muito poucas horas as possibilidades de removê-lo dali, ele ao suportaria ser carregado. Dão-lhe remédios caseiros, fazem-lhes sucessivas massagens. Mestre Matias chama a família. O que mais lastima é deixar a jovem esposa carregada de crianças para criar. É inútil consolá-lo. Ele está consciente do que se passa:
- Estou me acabando. Deus me receba.
Mas a agonia passa por momento. Ele se senta. Faz algumas recomendações à mulher e abençoa os filhos. Micena, o filho caçula, sem saber o que estado´afazendo, lhe entrega um brinquedinho tosco que tem em suas mãos e coloca as suas mãos dentro das do pai, balbuciando palavras que ainda não sabe articular.
São duas e meia pra três da tarde de terça-feira, 24 de novembro. Meu pai solta o corpo contra rede. Minha mãe sacode:
- Corram, Matias está morrendo!
No dia seguinte, é no colo de Alodias, minha irmã mais velha, que vejo pela última vez o rosto de meu pai, no caixão em meio à casa. Quando o enterro sai, eu choro porque vejo os outros chorarem! Mas eu sei que sou um menino de três anos incompletos para quem acabaram os dias bons e iguais. O paraíso acabou.
Me pai era um homem de 64 anos , que nunca antes houvera se queixado de doença alguma. Do Mestre Matias, tão querido e lembrado por todos, não ficou, porém um único retrato que pudesse guardar para os filhos os traços do seu rosto. Reconstuo pela memória dos irmãos mais velhos a nebulosa lembrança que tenho de sua figura, sem poder fixar na rentativa um perfil definido de sua pessoa.
Ao fazer este registro, dou por mim diante de tantos leitores anônimos, contando-lhes os passos marcantes de minha trajetória. Pergunto-me se não estou procedendo assim, numa tentativa inconsciente de compensar para os meus filhos o que meu pai não teve tempo de fazer com os seus.
Próximo capítulo: O HOMEM DO MELÃO
EM TEMPO:
EVENTO: Exibição do filme O SONHO DE INACIM
QUANDO: 11.12.10
LOCAL: HOTEL NACIONAL DE BRASÍLIA, Setor Hoteleiro Sul.
PROGRAMAÇÃO:
18:00 – Abertura pelo Presidente da AC2B, Ubiratan de Assis (Bira)
18:15 – Palestra: “O lado pitoresco da história da terra do Padre Rolim”, pelo professor José Antonio Albuquerque.
19:00 – “Uma conversa sobre o filme”, por seu diretor Eliézer Rolim.
19:30 – Exibição do filme O SONHO DE INACIM
21:00 Coquetel no próprio Hotel Nacional.
PROMOÇÃO DO EVENTO: AC2B – Associação dos Cajazeirenses e Cajazeirados em Brasília - DF
Cheguei até aqui pelo São Google. Que emoção para uma manhã de domingo! Nasci na cidade de Catolé do Rocha, sítio Mendonça, o mesmo do Arione Diniz criador da rede da maior rede ótica do Brasil.
ResponderExcluirCresci ouvindo as ondas das rádios de Cajazeiras e lá muito se falava de Chico Rolim (Arione também ouvia, aliás, todos da redondeza), um dos maiores sertanejos nas palavras do meu querido pai. Ele falava aos seus filhos que este era um homem deveria o nosso espelho na trajetória de vida. Contava que saiu da roça e venceu como um autodidata já que não teve condições e tempo para estudar no afamado Colégio Padre Rolim (no catolé tinha também um colégio das Freiras muito famoso). Acho que segui os passos deste grande cajazeirense como escrevi no meu blog (http://zezevieira.blogspot.com):
“"Veni, vidi, vinci"(vim, vi e venci), a célebre frase de Júlio César, ao Senado de Roma, é o lema que adotei da minha vida nestas paragens tão distante do meu torrão natal, tão decantado por mamãe e tios, daqui e de lá. Bom de certo modo a minha situação financeira permite que dê umas voltas pelas lindas praias nordestinas, em especial do litoral paraibano. Vidi ipse, vidi. (Eu mesmo vi, vi), gosto de curtir o Nordeste com estes olhos que a terra há de comer”
Cheguei ainda a ir uma semana universitária de Cajazeiras.
Obrigado pelas emoções que vocês me proporcionaram...
EMOCIONAMTE VER FALAR DESTE GRANDE CAJAZEIRENSE A QUEM CAJAZEIRAS MUITO DEVE.
ResponderExcluirSEU CHICO, AMIGO DE TODAS AS HORAS
NA SEMANA QUE VEM VOLTAREI AQUI PARA VER AS NOVIDADES
MAS PARECE UMA POESIA E DAR UMA SAUDADE QUE DOI O CORAÇAO
ResponderExcluir