CENA UM
Cajazeiras, década de sessenta/setenta. Quem ia assistir a uma sessão de filme no Cine Éden e chegasse pelo início da Praça João Pessoa, ao lado das lojas Pernambucanas iria encontrar na ponta da calçada central da avenida uma tabuleta anunciando o filme do dia no Cine Éden. Constava o nome do filme, o horário, e, as vezes, o próprio cartaz do filme. Nós, asilados, descíamos pela Praça conversando com um ou outro colega até chegar a hora do início do filme.
CENA DOIS
Chegávamos para comprar os ingressos e entrávamos na fila, onde um tubo de cano de ferro, pintado de azul, fazia o papel de guarda rail até a janelinha de compra de ingressos. Em frente ao cine Éden já estava desde cedo o vendedor de amendoim torrado, o vendedor de pipoca, o vendedor de roletes, o vendedor de bombons e chicletes... O título do filme, anunciado num letreiro formado por letras vermelhas de fundo branco, individuais, feito de acrílico – quando o titulo exigia as letras y, w, e k, víamos as letras feitas em papelão, pintadas também de vermelhas – estavam sobre uma estreita marquise que estava sob a entrada do cinema.
CENA TRÊS
De posse dos ingressos, e se o filme não permitisse a entrada para menores de dezoito anos, aí teríamos uma batalha. O porteiro, que podia ser o mudinho, gesticulava desgraçadamente feito mímico para dizer que não tínhamos a idade permitida. Mas o oficial de justiça, o carequinha Zezé, estava lá na porta, de plantão, para checar nossas carteirinhas de estudantes emitidas pela Associação dos Estudantes da Paraíba. Tinha gente que falsificava a idade adulterando a carteirinha, dando um corte suave em sua lateral e tentando dar uma raspadinha de leve no ano de nascimento e colando um número datilografado. Era uma operação melindrosa para compensar em ver as pernas gostosas de Vera Fischer em pornochanchadas que refletiriam no desasossego de nossas mãos vibrantes cuspentas.
CENA QUATRO
Passada a cena anticlímax de comprovação que não éramos ‘dimenor’, chegávamos à ante-sala de cartazes, onde víamos a propaganda de filmes que estavam porvir. Mascando chicletes, narizes empinados, mãos nos bolsos, recém saídos das bermudas e agora vestindo calças compridas – agora éramos homenzinhos, com muitas espinhas no rosto, pentelhos surgindo, voz fina-grossa e vice-versa, e os jatos superpotentes de gala rompendo o prazer da vida- éramos uma espécie James Dean do sertão. Sob o som ambiente que o Cine Eden emitia até antes de começar a sessão, a música clássica criava clima para o cine maníaco. Verdade é que às vezes essa música sofria rupturas e se misturava com outras que ninguém dava para saber quem era quem na embolada musical. Tudo bem, ninguém entendia mesmo de música clássica. Para chegar a sala de projeção propriamente dita, passávamos por duas cortinas vermelhas, enlaçadas.
CENA CINCO
Já acomodados nas cadeiras de pau, sem estofamento, relaxávamos. Tirávamos até os sapatos, mas só até pela metade, porque senão aparecia um gaiato que os pegavam sorrateiramente e quando dávamos fé, os bichos já estavam lá na primeira fila servindo de gozação pra o dono ir pegar. Ou, se o sujeito tinha chulé, a grita era geral. Ficávamos jogando conversa fora com os amigos ou dando pesqueiros nos displicentes até apagar as luzes para começar o filme, e quando isso acontecia a gritaria era coletiva, para, logo a seguir, criar-se um silêncio total. Concentração. As primeiras imagens eram de reclames dos filmes que iriam ser exibidos proximamente. Se era um filme bom, era inevitável um “ah, esse eu não perco nem por cem e uma fanta com pão doce”... A seguir vinha o noticiário oficial dos presidentes militares do Brasil. Era o período da ditadura militar. O locutor falava: “O Presidente Costa e Silva esteve ontem em almoço com empresários da indústria...”; “O Presidente Emílio Garrastazu Médici foi recepcionado...”. Era um saco ficar vendo aquele noticiário, que só reforçava nossa ansiedade para o filme começar logo, e aí começava a aparecer gritinhos de “o filme!”, “vamos, vamos!”. Mas pelo menos aparecia algo que despertava o interesse da galera com gritos e assovios. Era a trilha sonora do Canal 100, com o som rítmico de teclas de piano, e aparecia o noticiário esportivo, principalmente o campeonato carioca. Especialmente quando era um Fla x Flu, ou Fla x Vasco. A platéia ia a delírio com assovios estridentes. Mas quando aparecia o leão da Metro-Goldwyn-Mayer, rugindo, abrindo sua bocarra, também rugíamos de alegria e caíamos de imediato em estado de concentração absoluta. Começava o filme.
CENA SEIS
A magia do cinema nos embevecia naquela sala escura, calorenta, porém o enigma do roteiro desvendado paulatinamente excluía-nos de reclamações pertinentes, quando a fita quebrava e de imediato acendia-se as luzes, irritando nossas vistas pelo choque de luz claro-escuro. Quando o filme encerrava, as luzes ainda apagadas, passando os créditos da película, saíamos da sala de cinema e adentrávamos a Praça João Pessoa. Se o filme era no estilo romântico, saíamos leves, calmos, com o estado de espírito lambido por pena de pavão; Se o filme era um faroeste, saíamos atirando para tudo quando é lado com nossos revolveres – os dedos polegar e indicador estirados e os demais enrolados para dentro da palma da mão – onomatopeicamente emitindo tchum!,tcham! bam!; Se era um filme de karatê, saíamos dando golpes com as pernas estiradas no ar, tirando fino em nossos colegas que desempenhavam o papel de inimigos; Se era uma pornochanchada, saiamos fazendo acenos obscenos, com os punhos das mãos fechados e trazendo os braços para trás, num gesto de enrabar nossos amigos, que davam pulos gritando: - “sai pra lá, seu filho da puta!”.
THE END.
Eduardo Pereira
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Em tempo – AC2B promoverá exibição do filme cajazeirense,O SONHO DE INACIM, em 11/12/10 em Brasília. Presenças de Eliézer, diretor do filme; Prof. Zé Antonio Albuquerque, diretor do Gazeta do Alto Piranhas, e do diretor paraibano Vladimir Carvalho (O País de São Saruê, O Homem
de Areia...) Veja texto com mais detalhes publicado neste blog em 12/11/10.
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