Almanaqueiras: ou não queiras.

Almanaqueiras: ou não queiras.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

RECOLHENDO O TRIGO, RETRIBUINDO O TRIGO

Curtir as festas do Clube Primeiro de Maio, do Cajazeiras Tênis Clube e do Jovem Guarda, era o maior barato. A galera se empetecava toda caprichando na calça boca de sino, pano passado, cinto com um fivelão, as vezes um cordão de ouro dezoito – dezoito quilômetros distantes da mina –, ou, sendo mais verdadeiro: era sim, ouro original. Ouro original de Juazeiro do Norte comprado na barraquinha de Fransquim, irmão de Derval, mais conhecido como Lenival, na feira dos sábados na Praça dos Carros.
 Embalados pelas músicas do conjunto de Barbalha-CE, Asas de Águia, a concentração na dança chiclete, ou seja, com a mina sem sair do lugar, só moigando, a noite, ou melhor, a madrugada voava muito rápida pro gosto de todos e infelicidade geral da nação. Da nação da Camilo de Holanda, da nação da Rua dos Ricos, da nação da Praça do Espinho, da Nação da Desembargador Bôto, e de todas as nações organizadas e desorganizadas da juventude cajazeirense.
Mas o fim da festa chegava. Era o fim da picada! Mas era o fim. Saindo pelas ruas e vielas não mais se tinha controle dos pés na solidez dos paralelepípedos; já não mais se tinha grana para a saideira das saideiras. Beber não se podia mais, cuspir sim. Cuspe branco da boca ressecada da cuba libre, ou da meiota previamente derrubada no último boteco à fechar no caminho dos boêmios antes de se chegar meia-noite pra festa, como se fosse vinte e uma/vinte e duas horas, o início da festa.
O sol quase raiando, a madrugada acordando-se, a rapaziada quase dormindo nos ombros das meninas, ou dos companheiros, passava-se pelas calçadas das casas onde o entregador de pães já tinha passado e deixado os pães da freguesia. Tentação das tentações, a vontade de levar o pão mais pelo prazer da algazarra do que pela fome. Os pães, enrolados em papel de embrulho, retorcido nas pontas, fechado manualmente. Levo, não levo? Levo! Próxima festa: levo, não levo? Levo! Próxima festa: levo, não levo? Levo!
Quantos pães foram roubados, surrupiados por todos, por todos de todas as galeras?  “Forjar no trigo o milagre do pão e se fartar de pão”. Recolher cada pacote de pão das janelas sem gelosia. O pão de cada dia. O pão na escadaria do baldo do açude.  Um bando de irresponsáveis, pequenos delitos que não feriam a imagem séria da juventude, gozando a juventude sem traumas.  Imberbes. Ontem, sem nenhum cabelo na face e cabelo farto na cabeça. Hoje, nenhum cabelo na cabeça e farta barba.
Corte de plano. Sai década de sessenta/setenta e entra primeira década do século XXI. Festa em Cajazeiras do ‘Reencontro’ promovido pela AC3 – Associação de Cajazeirenses e Cajazeirados do Ceará. Não há dança chiclete. Preocupação se o neném em casa está chorando. Se o bebê será a cópia da vadiagem responsável. Não dá para recolher cada bago do trigo.
Dois senhores cajazeirenses, radicados em Brasília, saem da festa da AC3, vieram “afagar a Terra, conhecer os desejos da Terra”. Já o dia quase amanhecendo e passam em certa padaria. O primeiro pede um pingado com pão e manteiga. Tudo normal. O segundo solicita ao balconista um saco de pão. “O quê?”, perguntou o balconista vendo aquele senhor em traje de gala solicitar um saco de pão. Espanto do irmão, conjugado com o do padeiro: - “O quê?”.  “Sim, quero um SACO DE PÃO! Não sabe o que é um SACO DE PÃO, NÃO?”. Só restava ao primeiro irmão e ao padeiro indagar pela lógica da questão. A resposta do segundo irmão:
- “Vamos, meu irmão, peguemos esse enorme saco de pão e vamos retribuir, vamos pagar, casa por casa das que roubamos pães, vamos colocar nas janelas. Vamos quitar nossa dívida, meu irmão!”.

Eduardo Pereira
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