Almanaqueiras: ou não queiras.

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terça-feira, 23 de novembro de 2010

O MENINO MALUQUINHO

Acabo de ler o livro “25 anos do Menino Maluquinho”, de Ziraldo Alves Pinto. O próprio título já diz tudo: é um livro para comemorar esse fenômeno editorial brasileiro, de quando O Menino Maluquinho completou 25 anos de publicado, porque no mês passado já completou 30 anos. Portanto, o ano de lançamento foi 1980.  Já está na 100ª. edição, e vendeu 2,5 milhões de exemplares.

Quando li o livro em 1983  , já percebi que  a idéia central de Ziraldo era contar a história de um menino traquinas que aprontava todas, tirava nota 100 em todas as matérias na escola, mas tirava zero em comportamento. Por isso diziam que ele era um menino maluquinho, porém era um menino muito feliz.

Essa idéia de Ziraldo refletia em tudo quanto era menino dessas cidades interioranas, que viviam na tranqüilidade urbana e no aconchego familiar, recintos de sustentação do caráter dos futuros homens.   

O Menino Maluquinho estava lá na Praça do Espinho em Cajazeiras, na Camilo de Holanda, em qualquer rua em que houvesse crianças que brincassem despreocupadas, com o único objetivo de curtir a vida de forma saudável e sacana sem ferir suscetibilidades alheias.

Como as peladas no Grupo Dom Moisés Coelho, hoje Colégio, onde resistíamos ao vigia do Grupo, ‘seu’ Espedito, que espalhava cacos de vidro no campinho para ninguém mais jogar bola por lá. Ledo engano. Jogávamos terra pelo campo ou simplesmente saíamos catando tudo quanto é caco de vidro para reconquistarmos nosso espaço futebolístico. Como era impossível achar todos os malfeitos cortantes – para nós - de ‘seu’ Espedito, então arriscávamos cortar nossos pés. Pés cortados, sangrando, não dava tempo irmos em casa passar mertiolato – ninguém era besta, pois se não nossas mães não deixaria retornarmos pra pelada - muito menos passar um alcoozinho de praxe, então, ali mesmo, esfregávamos o pé no chão de terra para parar o sangramento e continuarmos a pelada, porque senão nosso time iria perder. Nunca ouvi falar que alguém passou mal por isso, muito menos que teve tétano, ou sei lá que outro tipo de malefício. Menino maluquinho era assim.

Fazíamos nossos próprios carrinhos de lata de óleo, ou de lata de sardinha. Era o trivial.  Cortávamos o flandre, já riscado de lápis comum com o designer que queríamos, com tesoura, escondido de mamãe, pois senão ela iria descobrir porque sua tesoura sempre estava cega. Curioso é que todas as casas tinha uma tesoura. As rodas do carrinho eram cortadas de chinelo japonesa, que já estava pra ser descartada depois de usada até o último instante em que colocávamos no solado um prego atravessado na tira que saía do buraco do dedão do pé com os outros dedos. O carro ficava macio pacas. Ou senão comprávamos rodas de madeira na feira dos sábados, ali na Rua Justino Bezerra, onde ficava a venda de móveis. As molas do carrinho eram de aspas, que conseguíamos de embalagens de eletrodomésticos dos Armazéns Paraíba e outras lojas. Isso mesmo, os carros tinham feixes de mola. Depois de pronto colocávamos um cordão no eixo da frente, amarrado em cada ponta, e tínhamos a direção guiada pelas pontas dos dedos de uma mão para fazermos piruetas radicais. Menino maluquinho era assim.

Nas primeiras séries do primário, nos primeiros dias, nossos cadernos eram impecavelmente organizados, limpinhos, letras caprichadas, nada de borrado ao apagar com a borracha em forma de bocal que ficava na ponta do lápis, cuja ponta era feita com gilete própria para barbear – gilete azul. Normalmente usávamos apenas a metade da lâmina por ser mais prático. Mas os dias iam passando e a nossa desorganização começava a dar sinal de vida. As letras apagadas já estavam borradas, a folha do caderno já estava amassada, as palavras já não estavam mais caprichadas, e o visto da professora já começava a ser feito de lápis de tinta vermelha, para desespero nosso e preocupação de nossas mães. Menino maluquinho era assim.

Aos 78 anos, Ziraldo é o Menino Maluquinho da atual literatura brasileira. Recomendo o livro para todas as crianças. E para todos os adultos também que não mataram a alma de seu menino maluquinho.

Eduardo Pereira

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