Como escrevi ontem, o espírito do Menino Maluquinho, criação genial de Ziraldo, era estar de bem com a vida, mas traquinando, travessurando, algazarrando, tramoiando, barulhando... Sei que alguns desses verbos, nessa forma, não existem, mas quando se trata do Menino Maluquinho, a liberdade de expressão é uma liberdade poética para o jeito de ser do Maluquinho, o jeito de aprontar sem ofender a moral das pessoas, mas considerado um gracejo, um sopro poético de vida.
Toinho, meu irmão, quando aprontava alguma presepada, e se achava injustiçado porque o apronto não fora somente dele, antes que minha mãe lhe desse um puxão de orelha, ele se antecipava e dizia, em voz teatral, com as veias do pescoço estufando:
Toinho: “Eu juro, mãe, que não fui eu. Eu juro pela alma consagrada (mas não dizia de quem era essa alma consagrada). Eu quero que um raio caia do céu agora, na minha cabeça, e rache ao meio, se foi eu que fiz isso!”.
Melhor seria se tivesse ficado calado, porque nesse instante minha mãe ficava mais irritada ainda e lhe respondia asperamente:
Mãe: “Tu cala a boca, Toinho, tu quer que o cão atente e aconteça uma tragédia!”.
Toinho: “Mas não fui, eu...”
Aí já não dava mais, e minha mãe já estava puxando a orelha dele, e, não satisfeito, o moleque continuava reclamando, chorando, nas pontas dos dedos dos pés:
Toinho: “Um dia, quando eu for famoso, eu vou escrever minha biografia e vou escrever lá que a senhora puxou minha orelha injustamente!”.
Pronto, pra que! Perdeu Toinho outra oportunidade de ter ficado calado. O sangue de minha mãe só fez esquentar e mudou de orelha com outro puxão pra ele não ficar respondendo gratuitamente a autoridade de sua mãe:
Mãe: “Então você acrescenta outro capítulo de sua biografia – e a orelha do guri ficou vermelha -, e se você me der mais uma resposta, vou te dar a sugestão do título de sua biografia, seu cabra safado!”
E Toinho, é lógico, nesse momento quis reduzir substancialmente o número de páginas de sua famosa biografia.
Hoje, minha mãe, com 87 anos, se orgulha de ter criado seus dez filhos e nenhum, como diz ela, se encaminhou pra vadiagem nem pras drogas, e todos seus filhos dão graças a Deus por ter recebido sua formação. Se fosse hoje, com a chamada “lei da palmatória”, instrumento do sistema oficial pedagógico, provavelmente minha mãe estaria presa porque puxara a orelha de seu filho respondão.
Menino Maluquinho era assim. Aprontava, recebia castigo, mas depois estava tudo de bem, com repertório de histórias para serem contadas no futuro.
Eduardo Pereira
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