Na segunda metade da década dos anos setenta, um pouquinho já pro final, costumávamos, uma pá de cajazeirenses residentes aqui em Brasília, reunirmos em minha casa para bebermos, comermos e falarmos bastante sobre Cajazeiras. Eram conversas, papos, lorotas, fuxicos, piadas, invencionices... que matavam nossas saudades da terrinha.
Como os exilados políticos brasileiros que eram obrigados a fugir, por essa época, do Brasil para países latino-americanos e europeus, nós, cajazeirenses, também tínhamos que fugir de Cajazeiras, não porque fôssemos perseguidos políticos exclusivamente, mas perseguidos pela escassez de políticas públicas para reter-nos em nossa cidade, carente de estudos mais avançados e empregos.
Como os políticos exilados brasileiros daquela época que, mundo afora, quando se encontravam com outros brasileiros, faziam a maior festa, nós também, aqui em Brasília, fazíamos nossa algazarra ao se reunir uma turma de cajazeirenses.
Minha família era numerosa, e mesmo assim minha mãe juntava sob suas asas a filharada e os amigos da filharada ao redor de paneladas de comida e bebida para nos sentirmos como se estivéssemos na própria terra do Padre Rolim. Até chamavam nossa casa de “embaixada de Cajazeiras”, alusão as tantas embaixadas dos países do mundo inteiro fixadas em Brasília.
E quem participava dessa muvuca? Os filhos de Zé Sacristão; alguns dos filhos dos moreiras – o ramo dessa família em Cajazeiras é muito extenso -; os filhos de Teotônio mecânico; os filhos de Biu e mais Rigoberto, dali da Rua Justino Bezerra, e mais outras tantas numerosas pessoas representativas de famílias nobres e pobres – para rimar – de Cajá.
Além do bate-papo e do papo-furado, da conversa fiada e desfiada, do disse-me-disse e vice-versa, da conversa mole e da moleza da conversa, da conversa jogada fora e da conversa jogada dentro de nós, da conversa pra boi dormir e da conversa sonolenta depois da carne de boi comida, e da bebida – muitos já encharcados -, de muitos de ir na conversa de outros e de outros não ir na conversa de ninguém, depois de tudo isso, para dar mais charme, mais autenticidade ainda, mais aconchego, resolvemos, eu e meus irmãos Ivaldo (falecido), Valdim, Toinho e outros que não cito aqui por questão de espaço, apesar de meu computador comportar dois gigabaites de memória, resolvemos, repito, colocar a transmissão da Rádio Alto Piranhas ao vivo, aqui em Brasília, para deleite, admiração e perplexidade de todos presentes às nossas farras caseiras.
Hoje em dia, a internet coloca no ar, ao vivo, até a rádio de Cachoeira dos Índios. Não que eu despreze essa cidade, mas é para ressaltar sua importância de ser ouvida no mundo inteiro. Agora, colocar no ar, ao vivo, de Cajazeiras, os programas da Rádio Alto Piranhas, em fins da década de setenta, convenhamos, não é pra qualquer um não! Isso requer muita tecnologia! E nós captamos essa tecnologia, tudo em nome de nossos conterrâneos sedentos e saudosos de Cajazeiras.
A galera cajazeirense, boquiaberta, ouvia programas de Zeilto Trajano e principalmente programas musicais, aqueles programas que informam a hora e botam músicas e informam o prefixo da emissora.
Na sala de casa, todos em volta, concentrados, ficávamos ouvindo a Alto Piranhas, e, consequentemente, a curiosidade de todos presentes era saber como conseguimos aquele feito. Falávamos que em cima de casa tínhamos colocado uma antena especial de captação do sinal da Alto Piranhas, e, ao pedirem para mostrar, descartávamos, tendo em vista o difícil acesso a cumeeira da casa, e, mesmo indo para o meio da rua, não dava para enxergar a dita antena, porque a arquitetura da frente da casa não permitia isso.
Um detalhe que chamou a atenção em poucos, mas chamou, era que, na hora em que o locutor ia falar a hora, eu e meus irmãos começávamos a tossir, a pigarrear, a escarrar com a garganta, a grunhir e a falar alto. Mas que diacho era isso que não deixávamos o pessoal saber a hora exata naquele momento em Cajazeiras? Depois de muita pressão, e de algum tempo depois, tivemos que abrir o jogo e desvendarmos os segredos de nossa tecnologia evoluída daquela época.
A questão era o seguinte: no final do ano viajávamos de férias para Cajazeiras e, numa dessas viagens, compramos um equipamento sofisticadíssimo vindo de São Paulo, que era um conversor de sinais analógicos à longa distância, que por sua vez veio dos Estados Unidos... Não, não, não, não era nada disso. Estou inventando estória.
O fato real era o seguinte, e agora eu conto o simples mistério: No final do ano viajávamos, de férias, para Cajazeiras e, como se não bastasse os dias passados lá para matar as saudades da cidade gravávamos em fitas cassetes os programas da Radio Alto Piranhas, a nossa preferida, e, quando dessas farras em casa, em Brasília, colocávamos essas fitas cassetes de forma disfarçada em nosso som três-em-um (que era rádio, gravador e se ouvia LPs e compactos - os ditos vinis) e, no momento em que o locutor ia falar as horas, e nós já sabíamos o momento exato dessa informação, então entrava aí nossa teatralização vocal.
Foi bom enquanto durou porque alimentamos o frisson em nossos conterrâneos de se sentirem abraçados pela voz dos locutores de Cajazeiras, e, o mais importante, AO VIVO!
Eduardo Pereira
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Muito interessante a matéria.
ResponderExcluirMas esqueceram de falar de Almair Furtado "o fanquinho das menininhas, como também da vinheta da Alto piranhas; "O QUE FOI QUE ACONTECEU, NÓS VAMOS EXPLICAR, A NOSSA REPORTAGEM VEM AÍ PARA INFORMAR"