No Rio de Janeiro o jogo do bicho é considerado um caso de polícia. Isso quando a própria polícia não vem a imiscuir-se com ele. A sua influencia na vida social, econômica e política da cidade maravilhosa é por demais conhecido como peça daninha.
São históricas as intromissões e influências do jogo do bicho no Rio com o carnaval, a política, a família, a juventude, as drogas e por aí vai. O jogo do bicho do Rio de Janeiro é visto no Brasil inteiro como a vitrine do malefício, repito. Isso é de conhecimento de todos. Não vai aí nenhuma novidade.
Já em Cajazeiras a jogatina é liberada a céu aberto. Não precisa se esconder e nem ter muito trabalho para encontrar uma banca de jogo. Só não digo que é só estender o braço para solicitar um cambista, como se estivesse pedindo um táxi, porque Cajazeiras está cada vez mais difícil de se encontrar táxi circulando com freqüência por suas ruas. Parece que as motos dominaram geral.
Eu mesmo, agora em agosto quando estive lá, não deixei de fazer minha fezinha. Fiquei observando o cambista tirar o jogo: de caneta faz suas anotações e depois de ter pego dinheiro a toda hora, dá uma lambida nas pontas dos dedos para destacar a pula do cliente. Sempre que vou à Cajá já estou com minha pula no bolso da milhar inesquecível de minha mãe: é 6798. Vaca na cabeça. Foi com essa milhar que minha mãe saiu dum sufoco ganhando uma graninha que dava pra fazer a feira do mês e pagar todas as despesas de casa por alguns meses. Isso foi pelos idos do início da década de setenta. Só quem não gostou dessa história foi Higino, proprietário do jogo do bicho. O homem ficou uma fera. Ele foi de cara amarrada lá na minha casa pagar pessoalmente à minha mãe para saber quem foi essa sortuda desafiadora de seu balcão de apostas. Quando ele deu as costas e foi embora, minha mãe pegou o maço de dinheiro e tacou no chão com raiva de seu jeito grosseiro e falou: “eu ainda vou ganhar de novo pra esse hômi deixar de ser besta!”.
Não é que ela ganhou novamente! E no dia seguinte! Só que dessa vez foi a metade do valor do dia anterior. E a milhar foi 6799. Dessa vez Higino não foi levar o dinheiro lá em casa, de tão puto que ficou. Minha mãe não ia na rua fazer sua fezinha. Quem fazia para ela era Joaninha, esposa do saxesofonista Vicente, da Orquestra Manaíra. Eles eram nossos vizinhos. O bicheiro Higino era um homem fortão, desfilava com imponência em Cajazeiras em sua caminhonete sempre limpinha.
Aqui em Brasília minha mãe só não joga por que é tudo na moita. Bem, retorno á Cajazeiras. Informei-me que lá existe seis corridas diárias. Isso mesmo: seis corridas! E são transmitidas pelo rádio em horários fixos. O budegueiro, o freguês, o cambista, ou qualquer um que queira saber o resultado na hora, é só sintonizar a rádio xis para saber se deu vaca na cabeça...
Segundo corre a boca miúda tem até deputado que é dono de banca. E das grandes. A quantidade de gente que é absorvida no mercado de trabalho do jogo de bicho, é vasta, em Cajazeiras. As banquinhas com os cambistas estão em qualquer lugar, ninguém perturba ninguém. E deve rolar muita grana nesse comércio. Só pode ser, pois pra ter seis corridas diárias é porque há demanda.
Aparentemente o jogo de bicho de Cajazeiras convive bem com as autoridades, com a igreja, e, principalmente, com a população.
Eduardo Pereira
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