Na juventude temos ímpetos para tudo, e, num misto de coragem, vagabundagem, despreocupação com tudo e com todos, acabamos fazendo bobagens. Se não for algo que prejudique as pessoas, tudo bem. Tudo se torna mais espírito aventureiro do que irresponsabilidade propriamente dita. Como os poetas e romancistas têm suas licenças poéticas para cometerem seus ‘crimes’ de linguagem, quando jovem também temos, digamos, nossa licença de irresponsabilidade juvenil. Friso: desde que não tenha conseqüência negativa para os outros.
Aqui em Brasília, ao recepcionar alguns amigos de Cajazeiras, lá pelo o fim da década de setenta e início da de oitenta, que vinham nos visitar, ou fazer algum curso, ou simplesmente vinham para morar, dávamos nossos rolés pelas casas noturnas brasilienses.
Muitas vezes, ao fecharmos a conta da farra, apostávamos quem iria passar pela portaria com os leões de chácara, levando um copo, ou mais de um, ou um cinzeiro, ou uma lembrancinha qualquer disponível no bar, sem sermos importunados. A tática então era levantar a barra da calça e enfiar os copos nas meias e depois baixá-la, andando de forma comedida para não escapulir e sermos denunciados. Ou enfiar dentro da cueca e chupar a barriga pra dentro para não ser delatado e baixar a camisa ao máximo na altura da braguilha. Agora me pergunto: para que queríamos copos de bares, ou quinquilharias, arriscando-nos a levarmos uns pescoções dum meganha de portaria de boate? Nem vou falar com quem cometíamos essas idiotices. Só digo que hoje são profissionais cajazeirenses de respeito, como médicos, professores universitários, empresários...
Estávamos em Brasília com saudade de Cajazeiras à flor da pele, e essas bobagens cometidas funcionavam como uma espécie de desabafo interno. Ouvíamos as músicas dos cantores da noite como se estivéssemos chupando as últimas notas musicais das festas do Jovem Clube, do Tênis Clube e do Primeiro de Maio. A caipirinha rolava solta, a cuba libre era o encharcadiço da boemia politizada.
O apartamento de Lavoizier e Lamark, os irmãos porretas das cajazeiras, filhos de Teotônio mecânico, era um ponto de apoio para afundarmos nas lembranças da terrinha. Lógico, encharcados etilicamente.
Um episodiozinho, de leve. Certa vez, Lamark, estudante do Colégio Elefante Branco, um dos colégios públicos referência da pedagogia de Anísio Teixeira, saiu de lá e foi pegar o ônibus na Avenida W3 Sul. Por farra e irresponsabilidade estudantil, costumávamos entrar pela porta traseira – quando a porta se abria para descer algum passageiro - do bus para não pagarmos passagem, mesmo tendo dinheiro e passe estudantil para tal. Mas dessa vez o motorista se encrespou quando viu aquela ruma de estudante entrando pela porta traseira do ônibus. Fechou as portas e se levantou para tomar satisfação com quem entrara irregularmente. Só via neguinho procurando as janelas e cascando fora. Lamark, que num é besta, também mirou uma janela para pular fora, só que, quando pulou no meio da rua, pulou quase em cima de um carro, já encostando as mãos na tampa do motor, que estava parado ao lado do ônibus. Até aí tudo bem se o carro não fosse o carro de Amauri, seu tio. Artista que só, Lamark se dirigiu de forma desesperado a seu tio e falou: “Aí, tio, o senhor num tá vendo não? Uma maior briga lá dentro do ônibus, e se eu num sou esperto para fugir de lá, teria levado uns pescoções de sobra!”.
Millôr Fernandes afirma: “Ser moço / É deixar muita carne / No osso”.
Eduardo Pereira
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