Almanaqueiras: ou não queiras.

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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

É cada um por si, o Brasil acima de todos, Deus acima de tudo e a lama por cobertura e mausoléu.

O país sem alvará para funcionar 



O Brasil não tem habite-se, não passou pela vistoria obrigatória de suas instalações

Joaquim Ferreira dos Santos 


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Onde está essa maldita sirene que não toca nunca, que não anuncia jamais que lá vêm a lama do descaso e a chuva da imprevidência sobre a vida de milhares de pessoas? É uma tragédia todo dia e, na árvore caindo, na pedra rolando, só se ouve o desespero das vítimas. Quem dará o sinal de que não tem mais jeito, lá vem o Brasil descendo a ladeira, e é hora de sair da frente? A sirene-muda é só mais um dos símbolos da desgraça nacional, o silêncio que denuncia a nossa mais profunda solidão.

É um país sem alvará de funcionamento, operando abaixo dos níveis de segurança e sem o laudo liberatório do Corpo de Bombeiros. A sirene estaria programada por satélite para se antecipar à calamidade e dar o grito de alerta. Seria a trombeta pós-moderna acionada digitalmente para que todos fugissem do juízo final decretado pelo desleixo dos poderosos. Esses 42 dias de 2019 deixam claro. Não conte com ela.

O ditado antigo dizia que quem avisa amigo é. A sirene que não sirena coisa alguma é inimiga. O Brasil não tem habite-se, não passou pela vistoria obrigatória de suas instalações. Faltam-lhe todos os carimbos da ordem e civilização. As hecatombes, que deveriam ser anunciadas aos berros, têm sido mais eficientes. O país funciona sem o monitoramento da geotécnica, sem sprinkler e sem saída de emergência. Você está só. É cada um por si, o Brasil acima de todos, Deus acima de tudo e a lama por cobertura e mausoléu.

Tempos atrás alguém sugeriu que se criasse o Ministério do Vai dar Merda. A sirene é por si só a certeza de que, onde colocaram uma, basta esperar. Ali tem. Vai dar a maior merda — a barragem vai romper, o solo da favela vai ceder e, pior, no país do fiscal subornado a sirene estará enferrujada.

De Brumadinho ao Vidigal, passando pelo Ninho do Urubu e a boate Kiss, o desapreço pela vida é enorme. É um país sem auditoria, sem o “nada consta” da Defesa Civil e sem a manutenção exigida pela Região Administrativa. Se a perícia passasse aqui agora, não liberaria para a ocupação humana. E, aos poucos, aos prantos, muda-se o clichê do “vida que segue” pelo “morte que segue”. “Toca o barco” virou “toca o coche”.

A sirene daria a ilusão de que um dia, como o robô de “Perdidos no espaço”, ela gritaria “perigo, perigo” e todos teriam pelo menos o direito de tentar salvar a pele. Não tem acontecido. Nas últimas semanas, nos momentos em que ficou de frente para o atacante cruel, barro para tudo que é lado na grande área da infelicidade nacional, a sirene transformada em goleiro-salvador escorregou na lama. Chegou silenciosamente atrasada na bola. A cada gol, dezenas de mortes e a dor desse funeral que não termina.

Este é um país sem licença para operar como nação civilizada, sem brigada de incêndio e sem a delicadeza final de avisar que o mundo está desabando. A tempestade está a 20km, mas a sirene não conta para ninguém. Morre-se com muita facilidade. No corredor da morte americano, o condenado ainda tem direito a uma última refeição ao seu gosto. Aqui incendeiam garotos trancados num contêiner de lata. O Brasil não tem detector de fumaça. Não dá chance de sobrevivência.

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