Almanaqueiras: ou não queiras.

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sexta-feira, 4 de maio de 2018

o mundo é pequeno pra caramba/tem alemão, italiano e italiana/o mundo é filé milanesa/tem coreano, japonês e japonesa/o mundo é uma salada russa/tem nego da Pérsia, tem nego da Prússia/o mundo é uma esfiha de carne/tem nego do Zâmbia, tem nego do Zaire.

OS MORANGOS DA TOSCANA


ALBERTO VILLAS




De tempos em tempos eu ouço o Karnak cantando que o mundo é pequeno pra caramba/tem alemão, italiano e italiana/o mundo é filé milanesa/tem coreano, japonês e japonesa/o mundo é uma salada russa/tem nego da Pérsia, tem nego da Prússia/o mundo é uma esfiha de carne/tem nego do Zâmbia, tem nego do Zaire.

Júlio Verne já deu a volta ao mundo em oitenta dias, Caetano disse que o mundo não é chato, Jostein Gaarder revelou o mundo de Sofia, Sérgio Augusto contou que este mundo é um pandeiro e, eu mesmo, já revelei que o mundo acabou. Sem contar Drummond, que cantou em versos um mundo, vasto mundo, se eu não me chamasse Raimundo.

Gosto da música do Karnak porque ela é verdadeira. O mundo é mesmo uma salada russa. Andando por aqui, vejo gente dos quatro cantos desse mundo, se é que ele tem canto.

Gente que come pizza andando na rua, gente que enfeita a bicicleta com flores, gente que corre pela cidade no escuro da madrugada, gente que coloca um tripé na ponte Américo Vespúcio para fotografar o por do sol na Ponte Vecchio.

Gente que usa chapéu, gente que anda de sombrinha no sol, gente que descansa depois de subir dúzias de degraus para chegar na Piazza Michelangelo, gente que toma sorvete mesmo chuva e oito graus.

Gente que fala francês, que fala russo, polonês, húngaro, alemão, japonês, espanhol, grego, holandês, chinês, árabe, hebraico e português.

Gente que usa tênis, tamanco, sapato de couro alemão, salto alto e sandálias havaianas.

Gente que bebe spritz, mojito, sol levante, cerveja Moretti, Fanta sabor sambuco, San Pelegrino de arancia e figo d’India, gente que toma o melhor espresso do mundo.

Gente que anda de motocicleta, de bicicleta, de Smart, de Fiat Panda, de patins, de patinete.

Tem gente de todo jeito nesse mundo. Gente que fuma, gente que não fuma, gente que come carne, gente que não come carne, gente que bebe, gente que não bebe, gente que olha pra gente e gente que não olha pra gente.

Esse mundo tem gente que lê La Repubblica, que lê Il Corriere della Sera, que lê Il Manifesto, que lë Il Foglio, que lê Il Corriere dello Sport, o 24 ore, gente que não lê nada.

Tem gente que almoça em casa, nos restaurantes, nas tratorias, no trabalho, nos parques, nos bistrôs e nos camelôs.

Tem gente que passa horas nas filas dos museus, nas filas das sorveterias, nas filas das liquidações. Tem gente que não entra nunca em fila.

Tem gente que joga bituca de cigarro no chão, outras não. Tem gente que agradece o motorista do ônibus, outras não. Tem gente que pergunta de onde você veio, outras não. Tem gente que sorri pra você, outras não.

Tem criança que chora, criança que grita, que brinca, que lambe o sorvete, que cai no chão, que sai correndo dos pais, que dá uma bocada no pão.

O mundo não é chato, é um pandeiro e acho que ainda não acabou. Quanto mais a gente viaja, mais a gente vê gente diferente. Africano usando roupas coloridas, alemão de sandália e meia, japonesas de chapéu, iranianas cobertas por burcas, indianos de turbante, americanos de camisas floridas, peruanos de poncho.

Tem gente loira, negra, amarela, branca, parda, marrom e vermelha.

Esta crônica vai terminar com um desfecho talvez meio inesperado. Contei todas essas histórias aí acima só pra revelar que aqui em Florença tem gente honesta que coloca, na caixinha, todos os morangos do mesmo tamanho, enormes, crocantes e saborosos. Você nunca vai comprar uma caixinha de morangos aqui na Toscana em que os grandes estão apenas por cima. Nós não deveríamos aceitar esse jeitinho verde e amarelo de colocar morangos enormes e vermelhos por cima e, por baixo, os verdes, os raquíticos e os feinhos.


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