Autor de “Elite da Tropa” propõe reforma com refundação da polícia e legalização das drogas
Se você pudesse implantar uma reforma para mudar o cenário da segurança pública do Brasil nos próximos anos, que proposta você faria?
Quem responde, abaixo, é Luiz Eduardo Soares, 64, que tem longa experiência em segurança pública. Foi secretário nacional da área no primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, depois de já ter passado por função análoga no Estado do Rio, em 1999-2000. Soares é autor, entre duas dezenas de títulos, de “Elite da Tropa” (de 2006, com os ex-policiais André Batista e Rodrigo Pimentel), livro que deu origem ao filme “Tropa de Elite” (2007), de José Padilha.
Mestre em antropologia, com doutorado em ciência política e pós-doutorado em filosofia política, ele considera que um plano de segurança será fundamental para os candidatos que pretendam enfrentar propostas populistas, como as do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), na disputa eleitoral de 2018. No momento em que o debate das “reformas” é insistente em círculos políticos e na mídia, a reforma da segurança, política pública que está muito longe atender às demandas da sociedade, não poderia ficar de lado. Seria preciso alterar a Constituição, mudar atribuições, refundar as polícias e levar em conta a perspectiva de legalização das drogas.
“Considerando a importância cada vez maior do tema e o avanço da extrema direita, acho que os candidatos do campo democrático e progressista não terão sucesso se negligenciarem essa área”, diz o antropólogo.
Ele argumenta que embora a situação do Rio tenha aspectos próprios, o caminho para mudanças depende de decisões de âmbito nacional. “Segurança pública é matéria multidimensional, por isso requer políticas intersetorias”, diz.
As mudanças, claro, “dependeriam do Congresso e de um(a) presidente da República efetivamente comprometido com as transformações”.
O terceiro dia de ocupação das tropas federais na Rocinha começou com aparente tranquilidade neste domingo (24)
“É preciso mudar o artigo 144 da Constituição Federal para alterar a arquitetura institucional da segurança, na qual se inclui o modelo policial. Isso implicaria a redistribuição das responsabilidades, atribuindo mais funções à União e envolvendo os municípios, hoje, negligenciados.
Implicaria também, a médio prazo, a refundação das instituições policiais.
Nesse quadro futuro, nenhuma polícia seria militar, todas cumpririam o ciclo completo de polícia (hoje temos essa jabuticaba que já se provou irracional: investigação, de um lado; tarefas ostensivas, de outro).
Não proponho a unificação, mas a criação de polícias menores, nos municípios maiores ou nas regiões metropolitanas (todas, repito, civis e de ciclo completo).
A carreira, em cada polícia, seria única, isto é, haveria apenas uma porta de entrada em cada polícia. Hoje, na prática, temos duas instituições em cada uma: a dos delegados e a dos agentes; a dos oficiais e a dos praças. As tensões internas são tão fortes quanto aquelas que opõem, atualmente, as polícias civis e militares.
Essas sugestões já estão a PEC-51, apresentada pelo senador Lindbergh Faria (PR-RJ), em 2013. Claro que esse conjunto de mudanças imporia a redefinição das funções e das estruturas das guardas municipais.
Seria preciso definir as polícias como prestadoras de serviços à cidadania, garantindo-lhes os direitos, e valorizando o sistema pericial.
Para assegurar a implantação, seria preciso ter em vista:
1 – Provisão de recursos federais para complementação salarial dos policiais, garantindo-lhes condições dignas de vida e os impedindo de atuar na segurança privada.
2 – Legalização das drogas, que promoveria o fim da nefasta política de guerra às drogas, a qual constiui uma das principais causas da violência, da circulação ilegal de armas e da corrupção policial, além de ferir os direitos individuais e de criminalizar a pobreza, aprofundando o racismo e as desigualdades.
3 – Proibição de todo o comércio de armas e munição no país.
4 – Restrição do encarceramento aos que cumprem sentença por crimes contra a vida e aplicação de penas alternativas aos demais sentenciados. Isso viria junto de uma transformação profunda do sistema penitenciário, com vistas à efetiva aplicação da LEP (Lei de execuções penais, hoje inteiramente desrespeitada).
5 – Estabelecer como prioridade nacional a defesa da vida, em particular da vida dos que mais têm sofrido com a tragédia da insegurança: jovens pobres e jovens negros, nos territórios vulneráveis. Isso exige comprometimento do MP, no exercício do controle externo da atividade policial, e a criação de Ouvidorias independentes e dotadas de recursos para bloquear de vez a brutalidade policial letal e o viés racista nas ações policiais.
6 – Assunção por parte do governo federal da responsabilidade de zelar para que todos os jovens frequentem escola de tempo integral até o fim do segundo grau.”
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