Para pedagogos, equilíbrio entre desafio e frustração é crucial no ensino -
Imagine que você queira inventar um videogame. Se o jogo for fácil demais, rapidamente se tornará entediante para a maioria dos jogadores. Mas, se for difícil demais e os jogadores levarem uma eternidade para descobrir como se mata o monstro ou como se passa de um nível a outro, o jogo se tornará frustrante.
Pensando bem, frustrante talvez seja pior do que entediante, porque a facilidade excessiva pode ser chata, mas, ao menos, traz consigo a gratificação de ganhar rapidamente.
O mesmo equilíbrio entre desafio e frustração é crucial no ensino. É fácil demais? Por que estamos aqui? É difícil demais? Não vou conseguir, melhor desistir mesmo.
O problema, tanto com os jogadores de videogames quanto com os estudantes, é que eles têm talentos variados e diferentes. A mesma aula pode entediar certos alunos e parecer intransponível a outros.
É óbvio que não somos todos iguais, mas custamos a admitir isso.
Houve (e ainda há) um grande debate cristão entre a ideia de que todos podemos merecer a graça divina e a de que alguns são predestinados —e quem não está na lista não entrará no reino dos céus. Em geral, o lado mais popular é o lado católico: não somos marcados pela diferença, todos obteremos a graça divina (se soubermos pedi-la).
Uma consequência dessa ideia de que somos iguais é que a diferença entre as crianças que terão sucesso na escola (e na vida, eventualmente) e as que não terão não pode ser questão de mais ou menos inteligência, predisposição ou preguiça.
Para muito de nossos pedagogos, a diferença entre os que conseguem e os que não conseguem reside só na capacidade de resistir à frustração.
Ou seja, os que conseguem são os que não desistem, e não desistem porque não se deixam derrubar pela frustração. Os que não conseguem têm as mesmas habilidades, mas perdem coragem quando frustrados.
Consequência: o que é preciso ensinar às nossas crianças é a resistência à frustração, que os estudos e a vida em geral necessariamente lhes prometem.
Não deixa de ser paradoxal: nossa cultura parece pensar que a chave do sucesso esteja na capacidade de se frustrar. Sempre tem alguém para se indignar porque seríamos hedonistas e imediatistas, procurando o prazer pelo prazer. Na verdade somos uma das culturas menos hedonistas da história do Ocidente: somos os apologistas da frustração, que, aliás, tornou-se mérito.
É raro achar uma mãe e um pai que não estejam convencidos de que não é bom dar a uma criança o que ela quer. É claro que, se faz manhas para obter algo que está fora do alcance do orçamento familiar, é preciso dizer que não dá. E talvez seja bom que ela aprenda, assim, que a realidade resiste ao desejo da gente.
Mas nossa pedagogia frustradora não depende de nosso orçamento: uma criança de classe média, nem obesa nem pré-diabética, pede um sorvete (valor insignificante para os pais). Em regra, a resposta será não: agora não, é tarde ou cedo demais, é muito doce, você está sempre pedindo algo, e por aí vai.
Produzir uma frustração é considerado um ato pedagógico. que ajudará a criança a crescer.
Amadurecer, na nossa cultura, significa exatamente aprender a renunciar. O sábio, aliás, é quem sabe que a vida é renúncia. Por isso, presume-se que o idoso seja mais sábio que o jovem, porque saberia "naturalmente" (pelo fim que se aproxima) que a vida é renúncia, e, antes de mais nada, renúncia à própria vida, ou seja, aceitação da mortalidade.
Para apoiar a tese de que a vida é frustração, incomodamos até deus, atribuindo-lhe a intenção de nos frustrar –a ponto de que ele condenaria os libertinos e gostaria dos que renunciam aos prazeres.
Perguntas. E se o essencial da vida fossem os sorvetes que não comemos, todos os pequenos (grandes) prazeres aos quais renunciamos em nome de uma propedêutica à suposta grande frustração da vida? Pior: se a gente estivesse educando nossas crianças para que queiram desde pequenas renunciar aos prazeres da vida?
Moral da história: obviamente, não é preciso dar à criança tudo o que pede. Mas também não é preciso lhe negar o que ela pede sob pretexto de que estaríamos treinando-a para alguma preciosa sabedoria.
Neste Natal, não seja sovina, gratifique uma criança. Frustrá-la não é necessariamente o suprassumo nem da moral nem da pedagogia.
Boas Festas.
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