Almanaqueiras: ou não queiras.

Almanaqueiras: ou não queiras.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

renasce o ccc

Minha demissão do banco dos Brics foi politicagem, diz Paulo Nogueira

MARIANA CARNEIRO


Vice-presidente do banco, Paulo Nogueira Batista, diz que NDB irá abrir-se a todas as nações da ONU

Demitido na semana passada do NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), o banco dos Brics, Paulo Nogueira Batista Jr., 62, se diz vítima de "politicagem".

Em entrevista por e-mail à Folha, como solicitado pelo entrevistado, o economista afirma que limitou-se "a comentar o processo de impeachment", sem fazer críticas ou elogios à ex-presidente Dilma Rousseff (que foi quem o indicou ao cargo) ou ao sucessor, Michel Temer.

Batista Jr. foi desligado da vice-presidência do banco após um processo interno concluir que ele quebrou as normas ao escrever artigos críticos à política interna do Brasil. Além disso, ele foi acusado de assédio moral por um funcionário brasileiro.

Em artigo de abril do ano passado, o economista escreveu que "impeachment sem configuração de crime de responsabilidade ou de crime comum é golpe".

"Os defensores do impeachment não estão invocando crime comum. É preciso verificar, então, se têm base as alegações de crime de responsabilidade", afirmou.

Em julho deste ano criticou a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz Sérgio Moro. "O juiz bateu recordes de desfaçatez", escreveu.

Segundo Batista Jr., as investigações foram "enviesadas e viciadas, atropelando procedimentos".

"Por trás de toda história, estava a tentativa de encontrar meios de me acusar de quebra do código de conduta para permitir meu afastamento. Politicagem."

Procurado, o Ministério da Fazenda informou que não iria comentar. Já o Banco Central afirmou, em nota, que se "trata de assunto interno" do banco dos Brics.

"A demissão foi aprovada pela diretoria da instituição, que é autônoma, e referendada por unanimidade pelos membros do conselho."
*
Folha - Acha que foi injustiçado?

Paulo Nogueira Batista Jr - A demissão foi injusta e irregular. Por motivos não inteiramente claros —não quero fazer conjeturas—, alguns integrantes do governo brasileiro, especificamente o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, e um assessor do ministro [Henrique] Meirelles, Marcello Estevão, decidiram encontrar formas de me afastar e pressionaram o presidente do NBD, KV Kamath, que não se destaca pela firmeza ou coragem, a iniciar investigações contra mim. Eu tinha mandato e contrato. Só poderia ser afastado, se rompesse o meu contrato.

Como não havia base ou motivo para argumentar que eu havia desrespeitado o contrato ou o código de conduta, o banco acabou dando um mergulho na arbitrariedade. As investigações foram conduzidas de forma enviesada e viciada, atropelando procedimentos e desrespeitando o vice-presidente brasileiro.

O argumento do NBD é que o sr. desrespeitou normas de conduta do banco ao fazer críticas à política do Brasil.

Não fiz críticas à política interna do Brasil. Nos artigos que publiquei jamais fiz qualquer crítica ao governo Temer ou ao governo Dilma, tampouco fiz elogios. Isso porque uma das obrigações estabelecidas pelo código de conduta do NBD é manter a neutralidade política.

Escrevi poucos artigos sobre a situação política e econômica do Brasil nesses dois anos em que estive na China.

Em um dos artigos que foram considerados impróprios comentei o processo de impeachment então em curso, limitando-me a discorrer sobre os requisitos constitucionais para o impeachment.

O sr. foi indicado pelo Brasil ao NBD. Mesmo sem a missão de ser o representante brasileiro no banco, não excedeu seu mandato ao criticar o chefe do Estado que representa?

Desafiei o advogado que havia sido contratado pelo NBD para investigar os meus artigos —e que me acusava de parcialidade política— a mostrar um exemplo de crítica ao governo Temer ou elogio ao governo anterior. Ele ficou sem resposta.

Cogitou entregar o cargo após o impeachment?

Não. Eu estava muito empenhado no projeto do banco, trabalhando de 9h às 21h todo os dias.

O NBD é uma instituição potencialmente muito importante, pois poderá ser em quatro ou cinco anos um dos maiores bancos multilaterais do mundo, com capital que pode chegar a US$ 13 bilhões se entrarem novos membros. O Banco Mundial tem US$ 16 bilhões em capital.

Não se deve perder de vista que o NBD é a primeira instituição financeira multilateral, de alcance global, desde Bretton Woods, quando foram criados o FMI e o Banco Mundial. As que foram criadas depois são de âmbito regional ou sub-regional.

Meu envolvimento com o projeto é anterior à criação da instituição, já na fase de negociação do banco e do fundo monetário dos Brics. Participei do processo de cooperação dos Brics desde o início, em 2008. Era um investimento pessoal grande, não tinha por que renunciar.

Quando esteve no FMI, sua opinião provocou controvérsia quando criticou o pacote de austeridade grego.

Eu não tenho receio de ficar isolado. Em certos momentos, eu fui o único dos 24 diretores-executivos do FMI que discordou do programa de austeridade grego —que era um massacre para a Grécia. Acredito que o tempo deu razão aos que, como eu, criticaram desde o começo.

Chegou a tecer opiniões críticas aos demais membros do NBD? A política econômica chinesa desagrada o setor produtivo brasileiro.

Não fiz críticas a outros países-membros. Nos meus dois anos e pouco na China, a minha admiração pelo país só fez crescer. É um país que tem coesão e rumo —coisas que fazem falta ao Brasil. A China é a grande âncora do NBD. Se o banco fracassar, não será por falta de apoio do país hospedeiro.

O sr. é acusado de assédio moral por funcionários.

Eu recomendei a demissão de um funcionário brasileiro que tinha desempenho muito fraco. Ele foi instado a prestar uma queixa de assédio moral e retaliação. A queixa não tinha base, mas serviu para sustar a demissão dele.

A acusação decorre de divergências na indicação de um funcionário. A equipe técnica discordou de seu parecer.

Havia um painel de entrevista para selecionar um profissional para a área de estratégia. O funcionário brasileiro cuja demissão recomendei discordou da minha preferência para a escolha.

Passaram a alegar que eu havia recomendado a sua demissão por mera retaliação. Mas o problema real era o desempenho pífio daquele funcionário.

Por trás de toda essa história, estava a tentativa de encontrar meios de me acusar de quebra do código de conduta para permitir o meu afastamento. Politicagem, em resumo.

O sr. também acusa o presidente do NBD de assédio, poderia relatar o que ocorreu?

Não foi acusação por assédio, foi por quebra da neutralidade política. Estavam me acusando de quebrar a neutralidade política em alguns artigos. Ao me defender dessa acusação, eu mostrei que o presidente do banco, que é indiano, tinha claramente quebrado o código de conduta em entrevistas à imprensa da Índia. Chegou a declarar-se um devoto seguidor do primeiro-ministro. Eu perguntei, com ironia, isso é manter neutralidade política?

Vai tentar algum tipo de recurso para receber uma indenização do banco devido ao seu desligamento antecipado?

Não sei se tenho essa possibilidade. Voltarei ao Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário