Almanaqueiras: ou não queiras.

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terça-feira, 1 de agosto de 2017

"o PT nasceu para mudar o jeito de fazer política neste país e... errou ao aceitar fazer campanha nos (mesmos) moldes dos outros políticos".

Esquerda precisa de equilíbrio entre purismo e pragmatismo exacerbado

Nabil Bonduki




Em uma entrevista, Lula afirmou que torce para o PSOL governar o Rio de Janeiro. "Metade da frescura vai acabar. Eles vão perceber que não dá para nadar teoricamente." Com essa afirmação —que gerou uma nota de Erundina, que defendeu sua gestão como exemplo de que não é necessário "transigir eticamente" para governar—, o ex-presidente acerta e erra.

Uma experiência na gestão é essencial para uma agremiação de esquerda perceber que vontade política é insuficiente para mudar uma sociedade secularmente injusta. Que existem limitações institucionais, econômicas e políticas.

Nos anos 1980, o sonhador e inexperiente PT aprendeu muito com suas pioneiras administrações, como Erundina (São Paulo), Olívio Dutra (Porto Alegre), Celso Daniel (Santo André) e Telma de Souza (Santos). Teve que enfrentar a burocracia do Estado e o equilíbrio das contas públicas. Sentiu o poder do Legislativo e dos órgãos de controle.

Isso não impediu a criação do "modo petista de governar" dos anos 1990, com inovações premiadas internacionalmente, como orçamento participativo e programas de impacto social e baixo custo.

Fiz parte dessa experiência. Com participação popular, realizamos programas inovadores de habitação social, que se tornaram referências nacionais. Sem concessões a empresários nem troca-troca com vereadores, sonhos e utopias foram concretizados. "Entramos na água e nadamos, preservando os compromissos históricos do PT", afirmou a ex-prefeita.

É verdade, mas isso teve seu preço. Sem maioria no Legislativo, Erundina não aprovou projetos de leis estruturantes, como a reforma administrativa e o Plano Diretor. A gestão foi prejudicada pela perseguição do TCM e da Câmara.

Como o purismo original era insuficiente para promover mudanças estruturantes, aos poucos, a lógica da governabilidade foi sendo aceita pelo PT. Abandonando algumas "frescuras", as gestões do partido se aproximaram da nefasta cultura política brasileira, em direção a um desastroso pragmatismo exacerbado. Por isso, o ex-presidente não deveria (des)qualificar como "frescuras" a utopia e a ética, que são essenciais e mobilizam os que se indignam com as injustiças. O grande desafio é buscar um ponto de equilíbrio entre o purismo e um pragmatismo saudável, sem romper princípios fundamentais.

Como Lula afirmou, "o PT nasceu para mudar o jeito de fazer política neste país e... errou ao aceitar fazer campanha nos (mesmos) moldes dos outros políticos". É o início de uma necessária autocrítica e uma boa base para começar a construir uma frente democrática e progressista, essencial para conter retrocessos que suprimem direitos e impõem uma agenda conservadora e autoritária para o país. 

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