Almanaqueiras: ou não queiras.

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segunda-feira, 3 de julho de 2017

gritos homofóbicos, incitação à violência e manias ignorantes ainda resistem.

O futebol moderno afasta pobres e negros dos estádios - 

Eduardo Scolese 



Dona Marlene tirou sua garrafa de cerveja do isopor, encheu o copo e fez cara de interrogação quando a câmera da Globo deu um zoom na torcida gremista no jogo contra o seu Corinthians, no domingo (25), em Porto Alegre. Ela olhou para os genros e quis saber por que não havia nenhum torcedor negro na arquibancada.

A resposta não é simples, mas tem a ver com um longo processo de elitização do futebol brasileiro. Do final dos anos 90 para cá, os ingressos ficaram mais caros, a geral virou numerada, os estádios se transformaram em arenas, e a camada mais pobre da população foi convidada, aos poucos, a se afastar dali. No Brasil, entre os mais pobres, três em cada quatro são negros.

Nesses quase 20 anos, aquele que ganha um ou dois salários mínimos perdeu seu lugar no chamado esporte do povo. O cobrador de ônibus, o faxineiro e o ajudante de obras, hoje em dia, não podem nem cogitar de ir aos estádios.

Uma explicação pode estar no fenômeno do sócio-torcedor, que se consolidou no Sul, avançou pelo país, acabou com as filas e fidelizou os mais fanáticos. Mas ainda falta a esse modelo alguma fórmula para não excluir quem gostaria de acompanhar apenas dois ou três jogos por ano.

O Corinthians da dona Marlene, por exemplo, tem um plano de sócio-torcedor que lembra uma carteira de investimentos. É assim: quanto mais ingressos se compra, mais pontos se acumula para fazer parte de um seleto grupo que pode comprar as entradas antes dos demais. O ingresso que sobra vai para o restante dos sócios. O que sobrar disso, quando sobra e sempre acima de R$ 150, vai para a bilheteria. O torcedor humilde, aí, com esse preço, nem cogita.

O estádio do passado tinha pobres e ricos misturados. Todos entravam pelo mesmo portão e se abraçavam e choravam juntos. Muitos faziam amizade na arquibancada. O futebol unia classes e culturas diferentes. O empresário rico da zona sul ia no churrasco do office-boy da zona norte. O estudante de classe média da zona oeste frequentava o apartamento do colega mecânico numa Cohab da zona leste.

As arenas de hoje têm mais mulheres, banheiros dignos e cadeiras limpas. Mas, como a Folha mostrou recentemente na reportagem "Voz das Arquibancadas", gritos homofóbicos, incitação à violência e manias ignorantes ainda resistem. A dona Marlene não sabe, mas o torcedor que gritar "gol" antes da hora é capaz de apanhar da própria torcida —a bola não entrou por culpa dele, pensam os sabidões da arquibancada.

O Brasil caminha como um dos favoritos para mais uma Copa, mas aqui o atraso e a exclusão parecem não ter fim. Ainda bem que a dona Marlene não quis saber por que um simples pisca-pisca é proibido nos estádios do país. Seria difícil explicar. 

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