Almanaqueiras: ou não queiras.

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segunda-feira, 8 de maio de 2017

"entrar no acaso e amar o transitório."

Depoimento a Moro será nova página da biografia de Lula

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Petista deverá lembrar papéis da Justiça no processo
O enredo ensaiado aponta para 1 único vilão: Lula
Já não de discute se Moro condenará o ex-presidente
Apenas se calcula a pena e o impacto para as eleições
Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)Sérgio Lima/Poder360 - 24.abr.2017

LULA, BANDEIRA VIVA DE SUA OBRA

A Solidão e Sua Porta
Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
e quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha),
quando, pelo desuso da navalha
a barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha
a arquitectar na sombra a despedida
do mundo que te foi contraditório,
lembra-te que afinal te resta a vida
com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída:
entrar no acaso e amar o transitório.
Carlos Pena Filho, in ‘Livro Geral
Morto aos 31 anos num acidente de carro, no Recife, Carlos Pena Filho não precisa pedir licença para ocupar seu espaço entre os 3 maiores poetas pernambucanos do Século 20 –tróica integrada ainda por João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira. “A solidão e sua porta”, reproduzido na epígrafe, é uma síntese de sua obra universal e atemporal. Foi dedicado a Francisco Brennand, era declamado na boemia recifense, sobretudo nos bares Savoy e Dom Pedro, e as duas últimas estrofes são tão geniais e atuais que poderiam ser apostas sem dificuldades nas muitas bandeiras a serem desfraldadas em Curitiba a partir da noite desta 3ª feira (9.mai.2017).
Luiz Inácio Lula da Silva, outro pernambucano, nascido em região oposta do mesmo Estado e do lado diverso das contradições sociais de Pernambuco, escreve nestes dias novas páginas de sua biografia. E elas se encaixam à perfeição nos versos de Carlos Pena Filho. Em seu primeiro encontro com Sérgio Moro, o juiz de 1ª instância da Justiça Federal do Paraná que persegue a glória e admite dialogar com seus simpatizantes por vídeos em redes sociais, o ex-presidente da República que deixou como legado uma legião de admiradores e uma tropa de detratores figadais haverá de dialogar com o mundo que lhe foi contraditório e lembrar que, afinal, ainda lhe resta a vida.
Ante Moro, não será demais se Lula lembrar quais os papeis cabem a juízes e a promotores num processo. À Promotoria, ocupada na Vara Federal curitibana pelo Ministério Público, cabe desfiar o rol de acusações e pedir a condenação do réu –por isso não se deve estranhar a virulência e os apelos dramáticos do procurador Deltan Dall’Agnol. Ele não busca a Justiça, e sim a condenação de seu antagonista. Esse é seu papel. A promotoria não persegue a Justiça, mas os justiçamentos muitas vezes a reconfortam porque os promotores são parte do processo.
Os juízes, não. Ou, ao menos, não deveriam sê-lo. Ao juiz cabe ouvir as partes, sopesar as acusações, avaliar as provas. Deles é demandado um esforço que devia ser sobre-humano para que conservassem equidistantes das partes –da acusação e do réu. Não é preciso fazer grande esforço para afirmar, sem medo de errar, que tal equidistância deixou de ocorrer há muito em Curitiba e em cada vírgula, em cada aposto dos processos abertos contra o ex-presidente. A cilada da lógica foi tão pesada, a encenação do teatro jurídico do Paraná é tão vil, que alguns veículos da mídia tradicional (notadamente revistas semanais) caíram na armadilha de contrapor em suas capas Lula ao juiz que deveria julgá-lo e hoje é instado a sentenciá-lo.
Não se discute se Moro irá condenar ou absolver o ex-presidente da República. Debate-se o tamanho das penas e a velocidade com que elas serão impostas –se há tempo de fazer desabar sobre ele uma condenação em 2ª instância ainda, o que o tornaria inelegível para a Presidência da República em 2018, a despeito de liderar a disputa em todos os cenários atuais das pesquisas pré-eleitorais, ou se tudo ficará em suspenso ante eventual vitória do petista nas urnas do próximo ano (caso haja mesmo eleição em 2018). É pouco crível falar em Estado Democrático de Direito quando se invoca a Justiça não para um julgamento, mas sim para um justiçamento cuja sentença já é urdida alto e bom som e clamada em editoriais de veículos de comunicação que há muito deixaram de mediar a razoabilidade e passaram a pregar o arrepio da lei.
No espaço dessa última semana surgiram novos prováveis delatores escalados como protagonistas do espetáculo curitibano em que vinham atuando como reles coadjuvantes. O enredo ensaiado aponta, sempre, para um único vilão a ser posto na ribalta. Por óbvio e mal-ajambrado, o script soa grotesco. Tosco. Em que pesem esses defeitos, será vendido ao público como manifestação autêntica da sociedade em movimento. Não é. Representará, em resumo, mais algumas voltas da rosca do torniquete no garroteamento dos movimentos sociais. Haverá protestos nas ruas da capital paranaense e reflexo deles em outras cidades brasileiras. Como sair dessa escalada é a página capital desse drama que ainda não está escrita –e nada autorizar crer que estejamos no epílogo da encenação.
A Lula resta uma única saída, vislumbrada lá atrás por Carlos Pena Filho nas mesas dos bares recifenses nos quais consagrou sua obra breve e vasta, e que pode fazê-lo deixar o banco dos réus para virar a bandeira viva de sua obra política: como tudo o que é insolvente e provisório, entrar no acaso e amar o provisório.

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