Almanaqueiras: ou não queiras.

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sexta-feira, 26 de maio de 2017

adora ouvir a si próprio. Ama escutar a própria voz. Leva-se a sério como ninguém.

A mentira de Jungmann foi um desrespeito quase trágico
Ministro disse que exércitos nas ruas era pedido de Rodrigo Maia

O ministro da Defesa Raul Jungmann

LUÍS COSTA PINTO 



O TROLL QUE TROTA E SEU PINSCHER DE GUARDA


Raul Belens Jungmann é daquele tipo de político que fala interpondo pausas entre conjuntos esparsos de frases. Enquanto executa o gesto, fita um ou outro interlocutor e balança a cabeça afirmativamente. Tudo estudado e repetitivo. Cumpre esse ritual artificial e milimétrico há anos. Mas não o comete a fim de ponderar o que fala, de refletir sobre o que dirá: ele entrecorta os discursos com breves silêncios porque adora ouvir a si próprio. Ama escutar a própria voz. Leva-se a sério como ninguém.

Na última 4ª feira, 24 de maio, Jungmann por pouco não conduziu o chefe Michel Temer a abreviar ainda mais sua permanência do Palácio do Planalto, já tão exígua. Ante um homem acuado e aquartelado numa das arestas da Praça dos Três Poderes e uma Esplanada dos Ministérios que ardia, literalmente, com incêndios nos prédios da Fazenda e da Agricultura, e à luz de nova exibição de despreparo da Polícia Militar do Distrito Federal para lidar com manifestações populares, o ministro da Defesa resolveu ter uma ideia: convocou tropas do Exército para uma exibição pública de uso coercitivo da força.

Ciente de que faltava musculatura política ao governo para bancar a convocação de militares das Forças Armadas, Raul Jungmann buscou sócio para a esperteza. Num pronunciamento marcado pelas pausas destinadas a ouvir-se, anunciou que os militares estavam sendo enviados às trincheiras de banheiros químicos formadas nos gramados da Esplanada porque o presidente da Câmara Rodrigo Maia havia pedido. Mentira. Maia solicitou, por ofício, que soldados da Força Nacional de Segurança (batalhão integrado por policiais militares e bombeiros das diversas unidades da federação) garantissem a integridade dos prédios do Parlamento (Câmara dos Deputados e Senado Federal).

Desmascarado pela divulgação do ofício de Rodrigo Maia, que ainda exigiu a “reposição da verdade”, restou a Jungmann dar entrevista anunciando que a irresponsabilidade da convocação das Forças Armadas não tinha sócio. Tinha sido um erro cometido exclusivamente por ele, por Temer e pelo chefe do gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen. Os três assinam os decretos patéticos cujos termos eram lidos ao som dos gritos do passado que seus termos evocavam.

Do Supremo Tribunal Federal, onde o ministro Marco Aurélio Mello fez veemente protesto, a breves editoriais nas TVs e sites de informação que cobriam os acontecimentos de Brasília, houve repúdio àquela evocação dos tempos de chumbo. Na manhã da quinta-feira, 25 de maio, o governo recuou e revogou o decreto insano. Mas aí Jungmann driblou os microfones e holofotes que adora e rebarbou as explicações.

Quem inventou Raul Jungmann para o exercício de cargos públicos foi o ex-governador de Pernambuco (assumiu por 11 meses entre 1990 e 1991) e ex-senador Carlos Wilson, que o nomeou secretário de Planejamento. Jubilado na Faculdade de Filosofia do Recife, onde não conseguira conquistar o diploma superior, o hoje ministro da Defesa era chamado por Wilson de “Gogó de Ouro”. O então governador explicava: “tenho orçamento curto e preciso projetar ao menos minhas ideias. Raul fala tudo de forma tão mirabolante, diz as coisas mais incríveis de forma tão crível, que é a melhor pessoa para se ter quando a gente sabe que vai fazer muito pouco e precisa causar impacto e impressionar”. Definição melhor, impossível.

Ao convocar a imprensa para o pronunciamento em que mentiu sobre a autoria do pedido de convocação das Forças Armadas para a exibição coercitiva na Esplanada Jungmann certamente se sentiu um dobermann de guarda pretoriana de Palácio. É a fantasia perfeita para esconder o espírito sabujo de labradores brincalhões que combinam mais com seu jeitão meio atrapalhado, embora se diga que ali habita um cérebro de dálmata (dálmatas têm handicap pouco lisonjeiro no mundo canino).

Antes que chegasse ao fim a tensa quarta-feira 24 de maio o ministro da Defesa havia descoberto que sua identidade real nesse universo paralelo era a de um pinscher – aqueles cãezinhos que latem como se não houvesse amanhã e exibem um porte de gigantes. Todo pinscher nasce se crendo um dobermann. Ameaçam como dobermanns. Ladram como tal. Até estufam o peito – aliás, outro gesto típico de Jungmann. Quando se descobrem pinscher de fato, desinflam.

Michel Temer, que exibiu vontade de ser contemporâneo no diálogo com Joesley Batista no subsolo do Palácio do Jaburu ao falar que o presidiário Eduardo Cunha queria “trotá-lo” ao fazer-lhe mais de 40 perguntas via Sérgio Moro, transportou-se para o mundo dos trolls. E trolls são criaturas imaginárias do folclore escandinavo que fazem travessuras às escondidas e se transformam em pedras quando expostos à luz do sol. Mesmo errando a expressão – trocando “trollar” por “trotar” – compreendeu-se o que quis dizer Temer a seu ex-amigo Joesley. Reza a lenda que os trolls não têm mais do que 45 centímetros. Nada mais natural, portanto, que para eles os pinschers miniatura se assemelhem a dobermanns. Só o são no mundo imaginário de quem já se foi, mas ainda não evaporou.

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